No dia 7 de fevereiro, a revista Movimento, do Movimento Esquerda Socialista (MES), filiado ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), publicou a tradução de um artigo do libanês Gilbert Achcar, intitulado A era do neofascismo e suas características distintivas.
De grande propensão acadêmica, o artigo procura apresentar as diferenças da extrema direita nos dias de hoje e no século passado. As comparações, no entanto, têm pouco valor prático ou acabam sendo completamente erradas.
O primeiro argumento do texto é o de que “o neofascismo alega respeitar as regras básicas da democracia em vez de estabelecer uma ditadura nua e crua, como fez seu antecessor, mesmo quando esvazia a democracia de seu conteúdo ao corroer as liberdades políticas reais em graus variados”. Isso, no entanto, não quer dizer nada. Praticamente qualquer ditadura na história se dizia “democrática”. Poucos foram as ditaduras que se apresentavam explicitamente como tais. Veja o caso do golpe militar de 1964, por exemplo, dado em nome da “democracia”. Esse critério, portanto, não serve para explicar o que seria o “neofascismo”.
Logo em seguida, no entanto, fica claro o porquê da escolha de um critério tão vago. Diz Archar: “existe hoje uma ampla gama de graus de tirania neofascista, desde a quase absoluta, no caso de Vladimir Putin, até a que ainda mantém um espaço de liberalismo político, como nos casos de Donald Trump e Narendra Modi”.
Em sua teoria bizarra, portanto, Vladimir Putin, o homem que desafiou militarmente a dominação imperialista sobre o Leste Europeu, seria um “neofascista”! Trata-se, portanto, de uma réplica da teoria do imperialismo, segundo a qual o mundo estaria dividido entre “ditadores” e “democratas”. Os “ditadores” seriam os inimigos do imperialismo, enquanto os “democratas” seriam os monstros imperialistas responsáveis por todo tipo de crime contra os povos. Chama a atenção, inclusive, que Benjamin Netaniahu, o primeiro-ministro de “Israel”, sequer é citado por Archar, cujo país de origem sofre na pele a agressividade do fascismo sionista.
O que Archar faz descaradamente é eliminar o conteúdo de classe ao analisar o problema da extrema direita. Para ele, o que importa é a forma, é o regime, e não a que classe social ele responde. Se um governo nacionalista, como o de Nicolás Maduro, prende pessoas que tentaram dar um golpe de Estado financiado pelo imperialismo, Archar considera isso “neofascismo”. Mas se o governo de Joe Biden financia o bombardeio da Faixa de Gaza, estamos diante de um exemplo de democracia. É ridículo…
Na luta de classes, é até natural que governos nacionalistas burgueses adotem medidas repressivas defensivas. Afinal, a burguesia nacional é mais fraca que o imperialismo e, ao mesmo tempo, não confia suficientemente na mobilização operária para enfrentar seus inimigos. Nessas circunstâncias, não há como haver a democracia dos sonhos de Archar.
No entanto, nem mesmo podemos dar essa colher de chá a Archar. O problema não é simplesmente que ele dá um valor demasiado às medidas repressivas defensivas, mas sim que ele, de tão ligado ideologicamente ao imperialismo, ignora completamente a realidade e fabrica suas teorias a partir de mentiras grotescas. Se Maduro toma alguma medida repressiva, por exemplo, ela em nada se compara às medidas criminosas de Daniel Noboa, no Equador, e de Dina Boluarte, no Peru. Mas estes nunca são chamados de neofascistas… Da mesma forma, Vladimir Putin acaba de ser reeleito, é apoiado pela esmagadora maioria da população e anunciou que irá destinar 25% do orçamento público à assistência social. Enquanto isso, Vladimir Zelenski, cujo governo é apoiado em milícias nazistas, está com o mandato expirado. É um presidente que se usurpou do governo. Esse, no entanto, não é chamado de “neofascista” por Archar.