Guerra na Ucrânia

Não é uma ‘crise transatlântica’, é a crise de todo imperialismo

A incapacidade da esquerda pequeno-burguesa de entender o fenômeno Trump a coloca a reboque do imperialismo na Europa, contra a Rússia

O fim iminente da guerra na Ucrânia traz um enorme desafio à esquerda pequeno-burguesa. Ao se colocarem na política de auxílio ao imperialismo, opondo-se à Rússia, precisam criar uma tese ainda mais extravagante para se posicionar contra o fim da guerra. Afinal, os vencedores seriam Trump e Putin, algo totalmente absurdo para a esquerda que está dominada pela ideologia imperialista da “democracia”. Um desses casos é o do Revolução Permanente, da França, que publicou o artigo “La crise historique des relations transatlantiques et les défis de l’internationalisme ouvrier” (A crise histórica das relações transatlânticas e os desafios do internacionalismo operário).

O grande erro está na própria caracterização do governo Trump, para além da caracterização errada do governo Putin, que faz com que o partido se coloque contra a Rússia. O texto afirma:

“A política de Trump introduz uma mudança radical em relação à orientação que até então havia sido a do imperialismo americano na Ucrânia. Desde 2022, a política de Biden visava usar a Ucrânia para enfraquecer a Rússia, confinando-a a uma guerra de desgaste, enquanto estabelecia certas linhas vermelhas, particularmente no que diz respeito ao envio de tropas ou ao uso de algumas armas, para evitar que o conflito degenerasse em uma guerra nuclear ou que o regime de Putin caísse (o que abriria uma situação desconhecida e perigosa no maior país do mundo, com milhares de ogivas nucleares).”

Dado que, para o RP, Putin é um regime reacionário, torna-se inconcebível que o governo dos EUA queira sua derrubada — uma tese ridícula. Está claro que o imperialismo quer derrubar o presidente da Rússia há aproximadamente 20 anos. Há golpes de Estado em todo o entorno da Rússia, a oposição interna, como Navalny, é financiada pelo imperialismo, e há até discursos sobre a derrubada de Putin. O objetivo final do imperialismo é acabar com esse regime e tomar o controle da Rússia, como fizeram na década de 1990.

Para sustentar sua tese, o RP ainda se coloca contra a China, que tem um regime político semelhante ao da Rússia — um nacionalismo que se choca com os EUA. O texto afirma:

“A guerra fortaleceu os laços entre a Rússia e a China, em benefício desta última, colocando a Rússia em uma posição de dependência cada vez maior em relação a Pequim, alimentando a animosidade histórica entre essas duas potências.”

Isso é uma farsa — trata-se da tese de que a China seria um país imperialista. A China e a Rússia são países oprimidos pelo imperialismo, razão pela qual se tornam aliados cada vez mais fortes. Eles possuem uma grande fronteira e estão sob pesado ataque do imperialismo; a China, inclusive, enfrenta uma guerra em maturação na província separatista de Taiwan. Mas o RP se recusa a defender os países oprimidos, pois isso significaria um choque com a política da direita na França. Por isso, cria a tese absurda de que são governos reacionários ou até mesmo imperialistas.

A incompreensão sobre o governo Trump

Até então, não há grandes novidades. A política do RP, citada acima, não mudou muito desde o início da guerra, em 2022. O que mudou foi a nova presidência de Trump. Sobre isso, o texto afirma:

“A política de Trump se baseia na ideia de que essa estratégia se tornou cada vez mais custosa e contrária aos interesses do imperialismo norte-americano, enquanto o apoio da população americana à Ucrânia se deteriorava com o tempo. O objetivo de Trump é tentar afrouxar o máximo possível os laços entre a Rússia e a China.”

Ou seja, para o partido francês, Trump seria o novo representante do imperialismo dos EUA. Eles não consideram que o bloco do imperialismo — o de Joe Biden — foi derrotado nas eleições e que Trump possui uma política dissidente. Isso os levará a erros gigantescos, não apenas na Ucrânia.

O que aconteceu nos EUA é claro: a política do imperialismo se esgotou completamente, e Biden e Kamala Harris foram incapazes de vencer as eleições. Um governo que se opõe a esse bloco imperialista assumiu, e isso está gerando enormes crises. Trump representa a burguesia interna dos EUA, que também sofreu com décadas de política imperialista e agora reage, principalmente cortando a política de guerras.

O autor continua:

“Trump busca se dotar dos meios para reduzir o investimento americano na OTAN e na Europa para se concentrar em suas prioridades estratégicas no Indo-Pacífico, ao mesmo tempo em que reforça sua hegemonia no hemisfério ocidental (Canal do Panamá, Groenlândia, etc.). Assim, ele reconhece que o Velho Continente é menos central para os interesses imediatos dos Estados Unidos.”

Isso não é real. O militarismo e intervencionismo de Trump são menores que os de Biden no mundo inteiro, não apenas na Europa. O caso de Gaza deixa isso claro: Trump não quis manter a guerra genocida que Biden sustentou por 15 meses.

Na América Latina, Trump está disposto a aceitar o governo Maduro. Na China, tudo indica que a política de guerra por meio de Taiwan foi deixada de lado para uma guerra econômica, algo muito menos agressivo. A esquerda pequeno-burguesa é incapaz de compreender que o governo Trump é menos agressivo na política internacional de forma geral — o que não significa que os EUA deixaram de ser um país imperialista.

Com essa confusão, fica impossível compreender a guerra da Ucrânia. Este trecho deixa isso claro:

“O risco de um governo pró-russo se instalar em Kiev após um colapso vergonhoso da linha de frente representa outra perspectiva preocupante para o magnata norte-americano.”

Não é verdade. Trump não se importa com o novo governo da Ucrânia. Se isso fosse relevante, ele não estaria acabando com a guerra. Ele quer encerrar o conflito e fechar um acordo com Putin. Quem deseja um governo agressivo na Ucrânia é justamente quem foi derrotado nas eleições dos EUA em 2024. Mais uma vez, o RP não entende essa diferença básica e essencial.

Ele conclui:

“A antiga fórmula falhou porque a guerra estourou e porque os Estados Unidos não estão mais dispostos a apoiar o continente. A insistente demanda feita aos Estados Unidos para expandir para o leste sua cobertura militar, que falhou, só demonstra a impotência estratégica da Europa.”

É uma explicação confusa. O que acontece não é que os EUA não querem mais apoiar a Europa, mas sim que Trump não quer apoiar a OTAN — duas realidades completamente diferentes.

Pela lógica do RP, há uma guerra se formando entre Europa e EUA. Na verdade, existe uma disputa interna nos EUA e dentro da Europa. O setor pró-OTAN e o setor contra a OTAN. Na França, inclusive, isso é evidente com Le Pen.

Ou seja, ao não compreender Trump, o RP também será totalmente incapaz de travar a luta política em seu próprio país. No fim, ficará a reboque da “democracia” falida de Macron.

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