Que a esquerda está fora do mundo real não é novidade, mas todo acesso à sua pobre imprensa tem potencial de surpreender até os mais experimentados. A maior novidade política da esquerda dita revolucionária é a teoria de que o principal culpado pela inflação no preço dos alimentos não é a brutal espoliação promovida pelo capital internacional nos países, nem a cumplicidade do capital nacional, que — em troca de receber mais dinheiro em moeda estrangeira — aceita jogar a população do próprio país na fome. A denúncia desse fenômeno, que é política tradicional até mesmo dos setores mais moderados da esquerda, parece ter saído de moda na visão dos camaradas que formulam a política do Movimento Revolucionário dos Trabalhadores, o MRT, que mantém o jornal Esquerda Online.
No texto “Por que está difícil controlar o preço dos alimentos no Brasil e no mundo?”, publicado no sítio do Esquerda Online no último dia 2 de abril, assinado por Gibran Jordão, encontramos uma demonstração lamentável de capitulação diante da burguesia. O texto, que é longo e cheio de dados, perde 8.000 caracteres despejando informações recolhidas por institutos de pesquisa e universidades na cara do leitor, numa tentativa de convencê-lo de que o verdadeiro culpado por os preços dos alimentos estarem fora do alcance do povo não é o tradicional capitalista vampiro, parasita e explorador da miséria do trabalhador, nem o imperialismo sanguinário, que promove guerras pelo mundo, golpes de Estado e consome a maior parte do orçamento federal. Esses seriam, segundo o autor, apenas fatores secundários que influem nos preços dos alimentos. O verdadeiro vilão, que estaria jogando a inflação nas alturas e arrasando a economia brasileira com requintes de crueldade, seria o poderosíssimo aquecimento global.
Segundo o Esquerda Online, o aquecimento global é tão ativo na destruição da humanidade que inclusive teria tomado o lugar do imperialismo no papel de provocar guerras entre países. Leia a seguir:
“O aquecimento global parece ser o elemento mais consistente e permanente que vem colaborando para a diminuição da oferta de alimentos e, consequentemente, para a elevação dos preços. Mas há outros fatores nocivos que se somam eventualmente às pressões inflacionárias, cada vez mais em espaços curtos de tempo. Os desarranjos na harmonia de ecossistemas que podem provocar pandemias, a eclosão de conflitos e guerras prolongadas entre Estados e países com economias vulneráveis e focadas em exportação de produtos primários são processos que têm potencial em provocar situações de insegurança alimentar que atinge, na maioria das vezes, populações de baixa renda.”
A matéria é tão desonesta que chega ao ponto de tirar da conta do imperialismo o aumento da inflação na Europa, para atribuí-lo ao misterioso aquecimento global — delegando os genéricos “efeitos da guerra na Ucrânia” a uma função acessória na crise inflacionária europeia. Adoraríamos ver uma explicação de como o aquecimento global explodiu o gasoduto NordStream e impôs embargos econômicos à Rússia em todos os países europeus. Porque, até onde se sabe, essas são as causas objetivas do aumento vertiginoso dos preços da energia na Europa nos últimos anos — fatores que, aliás, foram os principais motores da pressão inflacionária no continente.