No dia 18 de novembro, deverá ser votado, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) conhecido como “PL Antifacção”. A proposta, elaborada pelo próprio governo Lula, por meio do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, é, na verdade, uma Lei de Ditadura, um golpe que, sob o pretexto de combater “facções”, visa reprimir manifestações políticas.
A tramitação deste PL ocorre em meio a um clima político que favorece o aumento da repressão estatal. Dois vetores principais pavimentam o caminho para a aprovação deste texto draconiano.
Primeiro, a pressão de um setor antipetista da esquerda nacional contra o próprio governo Lula. Eventos como o protesto de grupos de esquerda na COP 30, em Belém, que constrangeu o governo, sinalizam uma divisão interna. Essa pressão de setores da esquerda antipetista, focados na luta contra o governo — em uma dinâmica comparável ao movimento “Não vai ter Copa” —, cria um ambiente onde o Poder Executivo pode se sentir compelido a mostrar firmeza e a procurar o apoio da direita.
O segundo ponto reside no julgamento dos bolsonaristas. A repressão e a condenação dos envolvidos nos atos de janeiro de 2023 estabeleceram um precedente perigoso. O clima político caminha para a proibição de manifestações de cunho político. Ao utilizar a repressão ao bolsonarismo como justificativa imediata, o Estado abre as portas para, em seguida, utilizar o mesmo arcabouço legal para atingir e incriminar outros grupos e movimentos, da esquerda à direita, que se voltem contra o regime político.
A escolha de Guilherme Derrite, Secretário de Segurança Pública de São Paulo e figura responsável pela fascista Operação Escudo, para relatar o PL, é ato de pura avacalhação, uma humilhação ao governo. O ato também sugere um acordo de cúpula entre o governo federal, a extrema-direita e a “terceira via”, indicando que a aprovação do projeto é um objetivo comum, costurando-se uma aliança em torno da repressão.
A principal ferramenta de repressão no PL reside na vagueza dos termos e na ampliação perigosa do conceito de “organização criminosa” para incluir ações típicas de movimentos sociais.
O PL estabelece que “constitui crime, independentemente de suas razões ou motivações” a prática de certas condutas por membros de organização criminosa, paramilitar ou milícia privada. O grande problema começa na própria definição: “organização criminosa” é definida como a reunião de três ou mais pessoas para cometer crime. Isso enquadra potencialmente qualquer tipo de manifestação ou mobilização coletiva.
Com o PL, torna-se crime o uso de “violência ou grave ameaça para intimidar, coagir ou constranger a população ou agentes públicos” com o propósito de exercer “controle, domínio ou influência total ou parcial sobre áreas geográficas, comunidades ou territórios”. Uma ocupação de terra por um movimento de moradia ou camponês poderia ser facilmente enquadrada neste critério subjetivo. O fato de a lei ignorar as “razões ou motivações” dos atos (como a luta por moradia ou reforma agrária) gera uma gigantesca insegurança jurídica para os militantes.
O PL torna crime o ato de “restringir, limitar, obstaculizar ou dificultar (…) a livre circulação de pessoas, bens e serviços públicos ou privados, sem motivação legítima reconhecida pelo ordenamento jurídico”. Este trecho é uma bala de prata contra o direito de greve e protesto. Ele pode tornar ilegal um piquete ou a prática comum e historicamente legítima em manifestações de queima de pneu na estrada.
A lei penaliza também quem “interromper, danificar, perturbar ou dificultar o restabelecimento” de serviços como os informáticos, de comunicação ou “instalações de geração, transmissão ou distribuição de energia, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos”. Na prática, ocupar uma escola ou realizar uma greve dos Correios com ocupação (caso seja considerado serviço essencial) poderia ser classificado como crime de organização criminosa.
O PL propõe um sistema de punição que é brutal e incompatível com os princípios de um sistema penal ressocializador. As penas preveem reclusão de 20 a 40 anos, com a possibilidade de aumento de 50% a 66%. Além disso, estabelece a Inaplicabilidade de Benefícios, tornando os crimes insuscetíveis de anistia, graça, indulto, fiança ou livramento condicional. A crueldade atinge a família do preso, que perde o benefício do auxílio-reclusão.
A criação do Banco Nacional de Organizações Criminosa, Paramilitar ou Milícias Privadas possui um potencial de controle e vigilância aterrorizante. O banco visa registrar pessoas físicas e jurídicas que sejam integrantes, colaboradoras ou financiadoras das ditas organizações. O critério para inclusão no banco levará em consideração “vínculos políticos e financeiros”, o que abre margem para um controle ideológico. O mais grave é a Permanência no Banco mesmo após o cumprimento da pena. Qualquer membro desse banco de dados será declarado inelegível, configurando uma perda permanente de direitos políticos.
O projeto avança sobre uma das garantias fundamentais do devido processo legal: o direito de defesa. O PL autoriza o monitoramento da comunicação entre advogado e cliente em casos de “fundadas suspeitas de conluio criminoso”, mediante ofício sigiloso à OAB.
O PL Antifacção, em sua essência, é uma Lei de Ditadura que, na prática, se configura como uma quase revogação da Constituição Federal no que tange às liberdades de expressão, reunião e organização. Se aprovado, ele estabelecerá uma ditadura contra os movimentos políticos e a ação direta dos movimentos sociais, impondo penas altíssimas e restrições permanentes.





