Em um pronunciamento feito no último dia 26 de outubro, o presidente da Guatemala, Bernardo Arévalo, denunciou uma tentativa de golpe de Estado orquestrada por setores do Judiciário. A acusação, feita em cadeia nacional, aponta diretamente para a procuradora-geral, Consuelo Porras, e o juiz Fredy Orellana, descritos por Arévalo como “inimigos do povo guatemalteco”. Minutos após o discurso, o Ministério Público (MP) rebateu com críticas à interferência presidencial.
A denúncia ocorre em meio à instabilidade política que assola a Guatemala há décadas. A própria eleição de Arévalo, em 2023, foi marcada por obstruções, protestos e manobras judiciais contra diversos candidatos.
Em junho de 2023, Bernardo Arévalo, filho do ex-presidente Juan José Arévalo, ícone da “Revolução de 1944”, emergiu como vencedor das eleições gerais. Representando o Movimento Semilla, um partido criado em resposta a manifestações em 2015, Arévalo obteve 58% dos votos no segundo turno, derrotando a ex-primeira-dama Sandra Torres. Sua campanha foi centrada em combater a corrupção.
Logo após a vitória, o MP, sob o comando de Consuelo Porras, suspendeu o partido Semilla por supostas irregularidades na inscrição, uma manobra para anular os resultados eleitorais. Em agosto, Arévalo revelou ser alvo de um plano de assassinato, o que levou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a exigir medidas de proteção urgentes. Protestos eclodiram em outubro, com bloqueios de rodovias, exigindo o fim da “perseguição eleitoral” e a garantia da transição de poder.
Em dezembro, o juiz Fredy Orellana pediu a anulação total da eleição, alegando falhas no processamento de votos pelo Tribunal Supremo Eleitoral (TSE). Arévalo rebateu, declarando que o “golpe” havia sido “bloqueado” graças à pressão popular, e prometeu governar “sem medo”. A Corte de Constitucionalidade (CC), em uma decisão importante, confirmou os resultados e pavimentou o caminho para a posse, mas não sem atrasos: a cerimônia, marcada para 14 de janeiro de 2024, só ocorreu na madrugada do dia 15, após mais de 10 horas de obstruções no Congresso, em uma espécie de golpe em curso.
Ao completar 100 dias em abril de 2024, Arévalo já admitia estar “dormindo com o inimigo”: cercado por instituições hostis, como o MP e o Judiciário, ele criou uma comissão anticorrupção e denunciou uma ex-ministra por irregularidades em compras públicas.
A solicitação recente de Orellana para declarar vacante os cargos do Semilla, incluindo a presidência, trouxe à tona novamente a crise no país centro-americano. Arévalo, ao lado da vice-presidente Karin Herrera e de deputados do partido, convocou a nação e a imperialista Organização dos Estados Americanos (OEA) para ativar a Carta Democrática Interamericana, mecanismo de defesa coletiva contra rupturas democráticas. “Isso é uma tentativa clara de golpe”, afirmou o presidente, pedindo a destituição imediata de Orellana pela Corte Suprema de Justiça.
A OEA reiterou o respeito aos resultados de 2023, enfatizando: “respeitem a vontade do povo guatemalteco nas eleições gerais de 2023, realizadas com plena legitimidade”. A Ordem dos Advogados da Guatemala (OAG) qualificou a ação de Orellana como “violação à supremacia constitucional”, enquanto a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) se uniu ao “chamado contra intentos golpistas”. Índios do Semilla declararam Porras e Orellana “inimigos da Nação”, exigindo sua submissão à justiça.




