O artigo intitulado Para enfrentar e derrotar as falácias da extrema direita, de autoria do economista e linguista Jair de Souza, publicado recentemente pelo Brasil 247, traz à tona uma discussão que, embora pretenda ser tática, revela o profundo esgotamento ideológico da esquerda nacional. Ao analisar o avanço do bolsonarismo entre as camadas populares, Souza sugere que a saída para a crise de representatividade da esquerda seria uma disputa pelo simbolismo religioso, propondo o uso da figura de Jesus Cristo como ferramenta de “conscientização” política. No entanto, o que o autor apresenta como uma solução estratégica nada mais é do que uma capitulação ao moralismo e um abandono da educação política baseada na realidade material da exploração.
A tese central de Jair de Souza reside na premissa de que, se a classe dominante utiliza a religião para manipular as massas e manter seus privilégios, a esquerda deveria apropriar-se dos mesmos símbolos para “romper resistências”. O autor questiona:
“Se os agentes do grande capital podem manipular e tergiversar o simbolismo desta figura para favorecer seus interesses de classe antipovo, por que não podemos nos ater a suas próprias palavras e exemplos de vida para beneficiar as maiorias populares?”.
Esta proposição ignora o fato de que a evolução política das massas não se dá pela substituição de um mito por outro, mas pela luta de classes, que permite ao trabalhador compreender a engrenagem da exploração que sustenta sua penúria. Ao tentar converter Jesus em um “militante progressista”, o autor mergulha no terreno movediço da exegese bíblica.
A contradição do argumento de Souza torna-se flagrante ao ignorar as razões materiais pelas quais os setores mais humildes da sociedade brasileira se refugiaram nas igrejas e no discurso da extrema direita. O povo não segue o bolsonarismo por falta de uma “leitura correta” dos Evangelhos, mas porque a esquerda deixou um vazio foi preenchido por quem oferecia uma rede de apoio concreta, ainda que ideologicamente reacionária. Resolver esse problema material com uma “reforma moral” da figura de Jesus subestima a inteligência do trabalhador e o trata como incapaz de compreender seus próprios interesses de classe sem o auxílio de uma tutela espiritual ou simbólica.
O que Jair de Souza classifica como “falácias da extrema direita” — a defesa da família, o combate à corrupção e os preceitos cristãos — são, de fato, cortinas de fumaça, mas elas só funcionam porque a esquerda parou de apontar as contradições reais e brutais desses movimentos com a vida do povo. Em vez de disputar o “Jesus dos relatos evangélicos”, a tarefa urgente é desmascarar a extrema direita como um braço do imperialismo internacional. Enquanto beijam a mão de pastores, os bolsonaristas defendem abertamente o genocídio na Palestina e os ataques criminosos contra a soberania da Venezuela, alinhando-se com o que há de mais assassino no sistema global. É preciso mostrar ao trabalhador que a “moralidade” professada por esses setores é a mesma que aplaude o massacre de crianças e o bombardeio de nações vizinhas.
Na economia, a contradição entre o “discurso cristão” e a prática política é ainda mais avassaladora. O governo de Jair Bolsonaro entregou a economia ao comando de Paulo Guedes, um neoliberal da Escola de Chicago. Foi sob seu governo que se privatizou a Eletrobrás e se avançou na destruição do patrimônio público nacional para favorecer monopólios estrangeiros. A consciência das massas evolui quando elas se tornam conscientes das relações materiais de produção. Fugir desse debate para tentar provar que “o comportamento social de Jesus pode ser valioso para abrir brechas” é um desvio que desarma o movimento popular. A luta pela emancipação humana exige clareza sobre a realidade, não uma disputa por interpretações de textos sagrados.




