No dia 26 de março, o sindicato norte-americano United Autoworkers (UAW), que reúne operários da indústria automotiva, publicou uma nota favorável à política de tarifas imposta pelo presidente republicano Donald Trump. As medidas anunciadas incluem sobretaxas sobre automóveis e caminhões fabricados no exterior, uma guinada em relação à política de “livre-comércio” que predominou nas últimas décadas.
“Aplaudimos o governo Trump por tomar medidas para encerrar o desastre do livre-comércio que devastou as comunidades da classe trabalhadora por décadas”, declarou o presidente do sindicato, Shawn Fain. “Dar fim à corrida para o fundo do poço na indústria automotiva começa com a correção dos nossos acordos comerciais quebrados, e a administração Trump fez história com as ações de hoje”.
As tarifas, segundo o sindicato, marcam o “início do fim” de mais de 30 anos de um modelo comercial que favoreceu a terceirização da produção e a exploração de mão de obra em países com salários reduzidos. O UAW defende que as medidas representam um retorno a políticas que priorizam os trabalhadores, não os lucros das corporações.
A nota do sindicato enfatiza que as tarifas podem trazer de volta milhares de empregos industriais bem remunerados para as comunidades operárias dos EUA.
“Com essas tarifas, milhares de empregos automotivos poderiam retornar dentro de meses, apenas com a adição de turnos ou linhas em diversas fábricas subutilizadas.”
O sindicato denunciou ainda a prática das montadoras de enviar a produção para o México, onde os salários são consideravelmente mais baixos. A crítica foi dirigida especialmente a empresas como a Stellantis, que constrói caminhões de alto valor agregado no México pagando cerca de US$3 por hora, enquanto mais de 1.000 trabalhadores estão atualmente desempregados na planta da empresa em Warren, Michigan.
Além disso, o UAW citou o caso da Volkswagen, em Chattanooga, Tennessee, onde a empresa teria violado a legislação trabalhista ao eliminar um turno durante negociações sindicais. Segundo o sindicato, 75% da produção da empresa na América do Norte é feita no México, com salários de cerca de US$7 por hora.
“A UAW e a classe trabalhadora em geral não se importam com a política partidária”, afirmou Shawn Fain. “Vamos trabalhar com qualquer político, independente de partido, disposto a reverter décadas de retrocessos para a classe trabalhadora”.
A declaração do sindicato destaca ainda que há dezenas de fábricas nos Estados Unidos com capacidade ociosa ou abandonadas, que poderiam ser reativadas com investimentos e políticas industriais mais robustas. É o caso da Lordstown Assembly, em Ohio, que chegou a empregar cerca de 10 mil trabalhadores antes da implementação do NAFTA, e hoje está vazia.
“Há trabalho suficiente para todos, e muitas pessoas da classe trabalhadora procurando bons empregos sindicais”, diz a nota. “Com um regime tarifário sério, podemos incentivar as montadoras a reinvestirem nos trabalhadores americanos e nas comunidades operárias dos Estados Unidos”.
Além das tarifas, o UAW defende uma renegociação imediata do Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA), acusando-o de perpetuar os efeitos negativos do NAFTA ao incentivar a terceirização da produção. Para o sindicato, um novo acordo deve obrigar que uma parte significativa dos carros vendidos nos EUA seja produzida no país, com salários elevados e direitos garantidos.
O texto também propõe a criação de um salário mínimo comum para os países da América do Norte, a fim de impedir que empresas transfiram a produção para regiões onde o custo trabalhista é artificialmente baixo.
“Os trabalhadores não podem mais competir entre si por migalhas enquanto as montadoras ficam com fatias cada vez maiores do bolo”, aponta o sindicato.
O UAW afirma que é hora das montadoras absorverem os custos das tarifas em vez de repassá-los ao consumidor, após anos de lucros recordes.
“As empresas tiveram tempo para planejar. Agora é hora de agir”, diz o sindicato. “Devemos garantir que os trabalhadores, que pagaram o preço pelo chamado livre-comércio durante três décadas, não sejam novamente os prejudicados”.
A direção dos sindicatos norte-americanos não é igual à direção dos sindicatos brasileiros. A burocracia do sindicato brasileiro vive em um vácuo político. Os norte-americanos não, porque a organização sindical norte-americana é muito mais sólida do que a brasileira, devido, em grande medida, ao caráter nacional dos sindicatos.
São organizações que sofrem muita pressão das bases sindicais, de modo que é verossímil dizer que a nota expresse, de maneira geral, o sentimento dos trabalhadores da indústria automobilística acerca das tarifas.
Confira, abaixo, a nota do sindicato na íntegra:
Em vitória para os trabalhadores da indústria automotiva, tarifas marcam o início do fim do NAFTA e do desastre do ‘livre comércio’
Na tarde desta terça-feira (8), o governo Trump anunciou tarifas significativas sobre carros de passeio e caminhões que entram no mercado norte-americano, sinalizando o início do fim de mais de três décadas de políticas de “livre comércio” que, segundo o sindicato United Auto Workers (UAW), devastaram a classe trabalhadora e fomentaram uma corrida global por salários mais baixos no setor automotivo. A medida representa uma guinada há muito esperada para uma política econômica que privilegia os trabalhadores que constroem o país — e não a ganância de corporações implacáveis.
“Parabenizamos o governo Trump por agir para encerrar o desastre do livre comércio que destruiu comunidades da classe trabalhadora por décadas. Acabar com essa corrida ao fundo do poço na indústria automotiva começa com a correção de nossos acordos comerciais, e o governo Trump fez história com as ações de hoje”, declarou o presidente da UAW, Shawn Fain.”
“Mas acabar com essa corrida também significa garantir os direitos sindicais dos trabalhadores em todo lugar, com um Conselho Nacional de Relações Trabalhistas fortalecido, aposentadoria digna com proteção da Previdência Social, acesso à saúde para todos, inclusive via Medicare e Medicaid, e dignidade dentro e fora do local de trabalho. O UAW e a classe trabalhadora em geral não se importam com a política partidária; trabalhadores esperam que seus líderes trabalhem juntos para entregar resultados. A UAW tem sido clara: trabalharemos com qualquer político, de qualquer partido, disposto a reverter décadas de retrocessos para os trabalhadores em meio aos períodos mais lucrativos da nossa história. Essas tarifas são um passo importante na direção certa para os trabalhadores da indústria automotiva e para comunidades operárias em todo o país. Agora cabe às montadoras, das Três Grandes à Volkswagen e além, trazer de volta bons empregos sindicalizados para os EUA.”
TRAZENDO DE VOLTA MILHARES DE BONS EMPREGOS SINDICALIZADOS NA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA
Com essas tarifas, milhares de empregos bem remunerados poderão retornar às comunidades da classe trabalhadora nos EUA em poucos meses, bastando adicionar turnos ou linhas de produção em fábricas subutilizadas. Atualmente, milhares de trabalhadores da Ford, General Motors e Stellantis estão desempregados, após decisões de executivos de transferirem postos de trabalho para o México.
Em uma dúzia de fábricas das Três Grandes que sofreram grandes reduções, a produção caiu 2 milhões de unidades por ano na última década, enquanto milhões de veículos vendidos nos EUA foram produzidos com trabalho de baixa remuneração e alta exploração no exterior. Isso permite que empresas com lucros recordes reduzam salários tanto para trabalhadores mexicanos quanto para os norte-americanos, enquanto Wall Street e a elite corporativa seguem acumulando ganhos.
As fábricas afetadas incluem:
– Ford Flat Rock Assembly (MI)
– Ford Louisville Assembly (KY)
– Ford Ohio Assembly (OH)
– Ford Michigan Assembly (MI)
– GM Fairfax (KS)
– GM Lansing Grand River (MI)
– GM Factory Zero (MI)
– GM Spring Hill (TN)
– Stellantis Warren Truck Assembly (MI)
– Stellantis Toledo Assembly (OH)
– Stellantis Sterling Heights Assembly (MI)
– Stellantis Jefferson North Assembly (MI)
Padrões semelhantes podem ser observados na indústria de caminhões pesados, como na Freightliner (Carolina do Norte), Navistar (Ohio) e muitas outras.
Reativar essas fábricas teria efeitos econômicos em cascata em comunidades de Michigan ao Tennessee. Em Chattanooga (Tennessee), a Volkswagen recentemente violou a legislação trabalhista ao eliminar unilateralmente um turno durante as negociações do primeiro contrato. A empresa produz 75% de seus veículos para a América do Norte no México, pagando US$7 por hora, e mais de 40% das vendas nos EUA vêm de trabalhadores mal remunerados naquele país. Esse turno deve ser imediatamente restaurado com a repatriação da produção.
Na fábrica da Stellantis em Warren (MI), mais de mil trabalhadores foram demitidos enquanto a planta permanece subutilizada — enquanto caminhões de US$100 mil são produzidos no México por apenas US$3 por hora. Essas demissões ocorreram há menos de seis meses e poderiam ser revertidas com tarifas automotivas bem estruturadas.
Além da capacidade ociosa, há plantas industriais inteiramente desativadas que, com readequações moderadas, poderiam empregar dezenas de milhares de trabalhadores. A antiga fábrica de Lordstown (Ohio), que chegou a empregar quase 10 mil pessoas antes do NAFTA, está vazia. A Belvidere Assembly deverá ser reaberta com cerca de 1.500 empregos — em 2019, ela empregava 5 mil.
As Três Grandes fecharam ou alienaram 65 unidades industriais nos últimos 20 anos. Há demanda suficiente para manter essas plantas funcionando com margem de lucro, e muitos trabalhadores buscando bons empregos sindicalizados. Com uma política tarifária séria, é possível incentivar montadoras a reinvestirem na indústria nacional e nas comunidades operárias dos Estados Unidos.
O QUE A CLASSE TRABALHADORA PRECISA EM RELAÇÃO AO COMÉRCIO
Toda vez que um operário da indústria automotiva ousa exigir um salário justo, uma aposentadoria digna, acesso à saúde ou equilíbrio entre vida e trabalho, as montadoras ameaçam seus empregos explorando um sistema comercial quebrado, projetado para intimidar e pressionar os trabalhadores dos dois lados da fronteira.
A UAW (United Auto Workers) tem incentivado o governo Trump a tomar medidas claras e agressivas para trazer de volta bons empregos sindicais na indústria automotiva. Estamos encorajados pelas medidas significativas anunciadas hoje e pedimos que a administração tome ações semelhantes para proteger e repatriar a produção do setor de caminhões pesados. Para além das tarifas, será necessária uma mudança contínua e profunda nos acordos comerciais e nas políticas econômicas do país para pôr fim ao desastre do livre-comércio.
O próximo passo é iniciar imediatamente a renegociação do Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA), que apenas perpetuou os efeitos nocivos do NAFTA, aumentando o déficit comercial com o México e permitindo que as montadoras transfiram empregos dos EUA para o exterior, aprofundando a corrida para o fundo do poço.
Em um novo acordo comercial, os trabalhadores da indústria automotiva têm demandas simples:
– Uma parcela significativa dos carros vendidos nos EUA deve ser fabricada no próprio país, com salários dignos e boas condições de trabalho, como aquelas pelas quais gerações de trabalhadores da UAW lutaram e até morreram.
– As empresas não devem ter permissão para fechar fábricas e transferir empregos para países com altos níveis de exploração e baixos salários, apenas para inflar ainda mais seus lucros já exorbitantes. Isso inclui o estabelecimento de um salário mínimo norte-americano que eleve significativamente os salários e benefícios dos trabalhadores mexicanos, além de proteções mais fortes aos direitos trabalhistas e penalidades contra a terceirização, para que os trabalhadores não precisem mais competir entre si por migalhas enquanto as montadoras ficam com fatias cada vez maiores do lucro.
– Consertar a cadeia de suprimentos de autopeças, seguindo os mesmos princípios: salários e benefícios justos para todos e aumento da proporção de peças produzidas nos EUA utilizadas em veículos montados e vendidos no país.
Podemos corrigir nossos acordos comerciais quebrados em favor dos trabalhadores. Mas é necessário coerência, sinais claros à indústria automotiva e garantir que a classe trabalhadora — que pagou o preço do chamado “livre-comércio” por 30 anos — não arque com o custo da transição de volta aos empregos industriais bem remunerados.
À medida que transferem suas cadeias produtivas e investimentos para os EUA, as montadoras que acumularam lucros recordes por anos devem absorver os custos dessas tarifas em vez de repassá-los aos consumidores. A UAW apoiará ações legislativas ou regulatórias que exijam isso. Os trabalhadores devem ser poupados de qualquer prejuízo decorrente das possíveis interrupções do processo de repatriação industrial, com apoio financeiro do governo federal, se necessário.
E, por fim, a classe trabalhadora não pode esperar. As montadoras já tiveram tempo para se planejar — agora é hora de agir.