Donald Trump pauta a imprensa mundial com seu blietzkrieg de ordens executivas e nós não escapamos da regra nesta coluna. Dois temas em particular atraíram nossa atenção: primeiramente a desidratação da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês) e, em segundo lugar, o que parecem passos diretos para uma resolução da guerra entre OTAN e Rússia na Ucrânia. Gostaríamos de dar outro ângulo a esses acontecimentos de fundamental importância para a política mundial.
Que a USAID tenha atuado como parte fundamental da máquina de golpes de estado do imperialismo norte-americano não há dúvidas, mas pouco se fala sobre o acordo entre o Ministério da Educação e a instituição norte-americana realizado logo após o golpe militar de 1964. À época, os estudantes brasileiros fizeram dura oposição à parceria, quando o acordo secreto veio a público. Infelizmente não conseguiram reverter os ataques e hoje, nosso ensino básico e, principalmente, nossas universidades estão completamente sucateados. O ensino superior transformou-se num curso de treinamento técnico para que brasileiros estejam aptos a serem mão-de-obra barata para multinacionais imperialistas. Pesquisa e desenvolvimento tecnológico nacional? Há exceções, mas a regra é preparo para o mercado de trabalho.
Houve uma tentativa de aplicar o mesmo golpe na Rússia, no momento da queda da União Soviética. Boa parte dos cientistas mais destacados do leste europeu deixaram seus países para continuarem seus trabalhos nos Estados Unidos, na Alemanha, no Reino Unido ou em outros países imperialistas, dada a devastação econômica causada pelo fim do estado soviético. O setor político ligado a Vladimir Putin estancou esse retrocesso, ao menos na Rússia, e, em grande medida, retomou a tradição soviética de formação de grandes cientistas. Isso teve implicações econômicas, mas também militares, área que a União Soviética viu-se forçada a investir durante o período da Guerra Fria. Os resultados são visíveis no front ucraniano, onde centenas de bilhões de dólares de armamento imperialista não foram páreo para o exército russo muito bem equipado. Há quem diga que seus mísseis supersônicos são mais avançados que o armamento imperialista mais moderno.
Pouco se fala sobre a ciência soviética devido à propaganda imperialista e, por isso, poucos sabem como foram pioneiros. Um exemplo essencial, por exemplo, está ligado à menina dos olhos dos especuladores internacionais: a tal inteligência artificial. Quando essa área do conhecimento ainda era conhecida como cibernética — nome muito mais apropriado — o matemático Alexey Ivakhnenko, nascido no que hoje seria território ucraniano, foi o primeiro a propor um algoritmo de aprendizagem para redes neurais de profundidade arbitrária, ou, no jargão atual, deep learning. Tal descoberta veio à nossa atenção graças ao esforço do professor Jürgen Schmidhuber em documentar a história moderna da inteligência artificial. Seu artigo traz muitos outros nomes praticamente apagados de uma história que gira essencialmente em torno das “descobertas” feitas nas universidades norte-americanas ou por monopólios norte-americanos.
Os soviéticos desenvolveram vacinas e tratamentos médicos inovadores e esse progresso pode ser observado na pandemia da covid-19 quando a vacina russa Sputnik-V foi a primeira a ser disponibilizada para o público. Poucos países conseguem fabricar turbinas de avião e um deles é a Rússia, graças à pesquisa e à engenharia soviética.
No Brasil não tivemos um Putin. Não que precisássemos de um, mas certamente precisávamos estancar a ferida causada pelo acordo MEC-USAID e, finalmente, pelo choque neoliberal dos anos 1980 e 1990. Cada vez mais somos um país economicamente agrário. Nossa produção agrícola é bem mecanizada, devemos reconhecer, mas todo o maquinário vem de fora. Os fertilizantes, ironicamente, da Rússia. Nossos cientistas e profissionais mais brilhantes hoje estão em outros países. Não há como os culpar quando nem nas universidades de ponta brasileiras há recursos para se fazer a pesquisa que fazem no exterior. Sobre as empresas nacionais, nunca terão chances de competir com as estrangeiras (e nem parecem ter o interesse).
É menos clara a ingerência de agências como a USAID no Brasil de hoje, mas dados os termos que escutamos por aí como “decolonização”, parece que a banda continua sendo paga pelas mesmas pessoas. Precisamos de Trump para acabar com esse órgão de ingerência no nosso país, mas talvez ainda seja cedo para decretar seu fim.
De qualquer forma, a recuperação da pesquisa nacional é urgente para nossa soberania. Não somente para fins militares como os russos demonstraram ser de suma importância na negociação extremamente vantajosa que conseguiram estabelecer com os truculentos norte-americanos. É urgente para recuperarmos o parque industrial brasileiro, destruído desde os anos 1990; para que este País dê uma perspectiva além da informalidade para seus mais de 200 milhões de habitantes.