Nessa semana, a Justiça brasileira voltou a protagonizar uma série de medidas repressivas contra a liberdade de expressão, demonstrando o avanço de um regime cada vez mais hostil à crítica pública e ao direito de opinião. Três casos distintos, mas com o mesmo teor, ganharam destaque: o processo contra a ex-deputada Joice Hasselmann, o processo contra o jornalista João Paulo Cappellanes e a multa imposta a Filipe Martins por Alexandre de Moraes.
Joice Hasselmann
A ex-deputada federal e jornalista Joice Hasselmann foi condenada a pagar uma indenização de R$10 mil à Jovem Pan após perder um recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão é definitiva e não cabe mais recurso.
O processo foi movido pela emissora em 2023, depois que Joice, em entrevista ao podcast Inteligência Ltda., criticou a empresa na qual trabalhou entre 2017 e 2018. Na ocasião, ela afirmou que a Jovem Pan havia se tornado “um lixo puxa-saco de governo”, e que teria passado a apoiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em troca de facilidades para obter sua concessão televisiva.
A empresa alegou que as declarações prejudicaram sua reputação e apresentou documentos com dados de audiência para rebater a afirmação de que o canal “dava traço” no Ibope, índice utilizado pela rede Globo para aferir a audiência de programas televisivos.
A defesa de Joice argumentou que as falas estavam dentro da liberdade de expressão e anexou matérias que apontavam queda de audiência em certos programas da emissora. Também questionou por que a empresa não processou outras publicações que fizeram críticas semelhantes.
Inicialmente, Hasselmann havia vencido em primeira instância, mas a emissora reverteu a decisão no Tribunal de Justiça de São Paulo. No último dia 1º, o STJ confirmou a condenação. Além da indenização, ela terá que arcar com os custos processuais e os honorários dos advogados da Jovem Pan.
Curiosamente, como apontada pela própria ex-deputada, a Jovem Pan deu espaço a muitas pessoas ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Frequentemente, essas mesmas pessoas se diziam defensoras da liberdade de expressão.
João Paulo Cappellanes
O comentarista esportivo João Paulo Cappellanes, da rede Bandeirantes (Band), tornou-se réu em uma ação movida por Ednaldo Rodrigues, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A queixa-crime foi aceita pela 1ª Vara Criminal da Justiça de São Paulo, sob a acusação de calúnia, injúria e difamação. A decisão é da juíza Aparecida Angélica Correia.
O caso tem origem em um comentário feito por Cappellanes durante o programa Jogo Aberto, exibido em 22 de fevereiro de 2024. Ao comentar o ataque ao ônibus do Fortaleza por torcedores do Sport, que deixou seis feridos, o jornalista criticou a postura da CBF diante do caso: “dá para esperar alguma coisa da CBF? Que tem um presidente frouxo? Que não tem comando? Que não sabe nada de futebol?”.
Segundo Ednaldo Rodrigues, o comentário ultrapassou os limites da crítica e se configurou como ofensa pessoal. Em setembro do ano passado, foi tentada uma conciliação entre as partes, mas não houve acordo. O jornalista reafirmou suas declarações em vídeos nas redes sociais, dizendo que não retiraria nada do que falou.
“Se o Brasil fosse um país sério, eu ficaria surpreso com essa ação. Mas não é o caso”, declarou Cappellanes, após ser notificado. O comentarista afirmou que vê o processo como uma tentativa de intimidação: “por ser um dos que mais criticam a CBF, quiseram me calar. Não vão conseguir”.
Agora, o jornalista tem prazo para apresentar sua defesa. Segundo ele, não cogita pedir desculpas nem retirar as críticas, que entende estarem dentro do direito à liberdade de expressão.
Filipe Martins
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), aplicou uma multa de R$20 mil a Filipe Martins, ex-assessor internacional de Jair Bolsonaro, após publicação de vídeo nas redes sociais. A gravação foi publicada no perfil do advogado Sebastião Coelho, mas a simples aparição de Martins foi considerada violação das medidas cautelares impostas contra ele.
Martins está proibido de utilizar redes sociais desde agosto do ano passado, quando teve sua prisão preventiva convertida em restrições como comparecimento semanal à Justiça, retenção de passaporte e veto à Internet. Moraes entendeu que a aparição no vídeo, mesmo sem dizer uma única palavra, configuraria desrespeito às condições impostas.
Na decisão, o ministro determinou que Martins tem 24 horas para se explicar, sob pena de voltar à prisão. “Aplico multa de R$20 mil pela referida postagem no perfil @desembargadorsebastiaocoelho, na plataforma Instagram, e determino que o denunciado preste esclarecimentos, no prazo de 24 horas, sobre as razões do desrespeito, sob pena de imediata conversão das medidas cautelares em prisão”, escreveu Moraes.
No vídeo, o advogado aparece ao lado de Filipe Martins em frente ao Fórum de Ponta Grossa (PR), onde o ex-assessor faz sua apresentação semanal à Justiça. Durante a filmagem, Martins permanece em silêncio, de braços cruzados. Sebastião Coelho, por sua vez, afirma que a obrigação semanal é “um absurdo” e se refere à prisão anterior como motivada por um “fato inexistente”.
Martins e outros cinco integrantes do chamado “núcleo 2” da acusação sobre a tentativa de manter Bolsonaro no poder serão julgados pela Primeira Turma do STF nos próximos dias 22 e 23 de abril. O julgamento deve decidir se eles se tornarão réus formais por suposta participação na chamada “trama golpista”.
A defesa de Filipe Martins ainda não se manifestou.