Um dia após a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos de prisão, a jornalista Tereza Cruvinel, do Brasil 247, escreveu um artigo inacreditável no qual dizia que “um consenso destaca, no significado do julgamento de ontem, a ruptura com a tradição de golpes de Estado e de impunidade para seus autores, o enterro do projeto militar de tutelar a Nação, e tudo o mais contido no que o ministro Roberto Barroso chamou de ‘ciclo de atraso””. Ou seja, no momento em que o mundo inteiro está à beira de uma terceira guerra mundial, o Brasil, sabe-se lá por que, teria se tornado imune a golpes de Estado!
Cruvinel não se dá por satisfeita. “Eu agrego, a este ineditismo demarcador, duas outras vitórias contidas no desfecho da ação penal 2668″. Vejamos o primeiro:
“Agora tínhamos, além da garantia constitucional de que crimes contra a democracia não podem ser perdoados, indultados ou anistiados, a vigência da recém-criada Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, a Lei 14.197/2021, que substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional da ditadura. Ironicamente, ela foi sancionada por Bolsonaro. Quando ele começou a usar a velha LSN contra críticos, jornalistas e opositores, uma forte reação no Congresso, no Judiciário e na sociedade civil clamou pela revogação daquele entulho autoritário. O Congresso aprovou, então, o projeto de lei que a substituiu por um novo capítulo no Código Penal, que passou a ser chamado de ‘Crimes contra o Estado Democrático de Direito’.
Cruvinel nem disfarça. Ela comemora porque Bolsonaro foi condenado de acordo com a reciclagem de uma lei da ditadura militar. E não uma lei qualquer. Não se trata de uma lei que tenha sido produto de contradições da ditadura. É a lei tipicamente fascista, de “proteção” do Estado contra os seus cidadãos.
É mentira que a Lei de Segurança Nacional foi substituída porque estava sendo utilizada para perseguir jornalistas. A grande crise em torno desta lei se deu quando o Supremo Tribunal Federal a utilizou contra um deputado federal bolsonarista, Daniel Silveira. A lei foi invocada para cometer um grande crime contra os direitos democráticos do povo brasileiro, a prisão de um parlamentar em flagrante por aquilo que falou em um canal da Internet.
Já naquele momento, estava claro o objetivo do STF e de Alexandre de Moraes: levar adiante uma campanha persecutória em defesa do Estado. Quando cai a Lei de Segurança Nacional, o seu objetivo foi justamente mantê-la, mas agora com uma nova roupagem, de modo que até a esquerda brasileira pudesse defendê-la.
É uma lei criminosa, que transforma os cidadãos em inimigos do Estado que devem ser perseguidos. Em nenhum regime democrático tal coisa poderia ser tolerada. “Devemos, pois, celebrar a efetividade da lei de defesa da democracia, em seu teste crucial”, diz a autora. É a defesa de um regime em que alguém possa ser condenado por opiniões políticas sobre a Justiça Eleitoral. Nada mais.
“O terceiro ponto que destaco está no fato de ter o julgamento representado também, juntamente com outras atitudes já tomadas pelo Poder Executivo, uma forte afirmação da soberania nacional: ocorreu sob grande pressão do governo imperial dos Estados Unidos, que além de chantagear o país com a imposição de tarifas comercialmente injustificadas, cassou vistos de alguns ministros do STF e enquadrou o Alexandre de Moraes na sua Lei Magnitsky.”
Também não corresponde à realidade. Ainda que o julgamento ocorresse sob pressão do governo norte-americano — que pouco fez além de cortar o cartão de crédito de um dos ministros —, o imperialismo acobertou o julgamento, como pôde ser visto no artigo da revista The Economist.
Não há nada comemorar na condenação de Bolsonaro. Pelo contrário, se o julgamento é um marco, é um marco no sentido de fazer evoluir a ditadura de toga no Brasil.




