A crise na Argentina, resultado do governo neoliberal de Javier Milei, deu vazão a novas análises da esquerda brasileira que incompreende o que lá acontece e a necessidade de uma verdadeira reação da esquerda organizada.
Uma dessas avaliações erradas, chamada As Lições da Argentina, partiu de Israel Dutra, que é Secretário de Movimentos Sociais do PSOL, e membro da Direção Nacional do partido e do Movimento Esquerda Socialista (MES/PSOL), como ele próprio se apresenta.
Em seu texto publicado recentemente, Dutra afirma que “a grande manifestação de aposentados e torcidas organizadas contra Milei foi exemplo da unidade antifascista” e que Milei é um aprendiz de Donald Trump.
Se ambos, Milei e Trump, se confundem na ideologia e bravatas reacionárias, como os discursos contra as organizações de esquerda e as reivindicações populares, na prática Milei, representa o plano ideal do imperialismo, enquanto Trump é uma reação de setores da economia nacional norte-americana contra os interesses mais decisivos do imperialismo, que tinham em Joe Biden sua melhor figura.
Milei, segundo o texto, foi eleito “combinando a crítica a ‘casta política’ com seu plano motosserra, que tem como objetivo reposicionar a Argentina no mercado mundial, impondo novas condições que quebrem as conquistas do Argentinazo, imponham uma nova relação de forças no país e o transformem no laboratório de um ultraliberalismo selvagem”.
Nesse sentido, o programa político de Milei é ultraneoliberal. É um programa para arrancar a pele dos trabalhadores a serviço dos grandes bancos. Trump, por outro lado, quase foi assassinado durante sua campanha eleitoral, e suas recentes medidas visam, na verdade, proteger a economia nacional, ao contrário de Milei, que colocou a Argentina a soldo. A ideia geral de se retirar de conflitos armados, diante de uma pressão interna que não quer mais ver recursos do país enviados para fora, é outra política de Trump que vai na contramão do interesse geral do imperialismo, que, seja com republicanos ou democratas, tiveram na manutenção das guerras uma política acima de questionamentos.
Continua o texto: “A principal lição da Argentina é a de que apenas na luta de massas podemos enfrentar a extrema direita. A prostração e o medo são péssimos conselheiros para parar a ofensiva que Trump, Musk, Bolsonaro e Milei querem impor ao movimento de massas”. O que o redator não percebeu é que Javier Milei não é Jair Bolsonaro. Este, quando esteve no poder, não realizou os ataques ao povo que o imperialismo desejava. Basta ver o que fez Fernando Henrique Cardoso quando foi presidente do Brasil. Este sim, capacho puro sangue do imperialismo, vendeu o Brasil quase em sua totalidade.
Na realidade, Bolsonaro mal conseguiu governar. Milei é um plano posterior ao de Jair Bolsonaro. Ainda está para vir o Milei brasileiro, no que se adiantou e talvez tenha previsto a revista Veja com o “Plano T”. Não querem Lula, e nem Bolsonaro, e é isso que explica a perseguição do Supremo Tribunal Federal (STF) contra Bolsonaro confirmando a manobra eleitoral. Bolsonaro e Lula são candidatos com base popular, com apoio eleitoral.
“Sabemos que Trump quer lograr uma verdadeira ‘guerra’ contra nossos direitos e que seus aprendizes mundo afora buscarão fazer o mesmo, com seu programa que já conhecemos. Contudo, a última palavra não foi dada. A crescente resistência popular na Argentina é um sintoma de que não será simples para a corja de bilionários consigam impor uma derrota efetiva para a classe trabalhadora e os povos do mundo”.
Trump, até o momento, não deu sinal de que vai instaurar uma guerra contra os direitos dos trabalhadores brasileiros. Aliás, isso não foi dito em momento algum. E os tais aprendizes de Trump não são tantos assim, especialmente em razão das medidas protecionistas que o governo norte-americano tomou recentemente, o que causou um mal estar no mundo todo.
Milei não é aprendiz de Trump. Milei é a versão mais bem acabada do que o imperialismo quer no mundo inteiro, e Trump, neste momento e pelo que já fez (e não pelo que falou), não deixa de ser um obstáculo para isso.
“Por conta disso, seguimos defendendo uma saída contra a extrema direita, articulando nossas relações internacionais, apoiando a luta do povo argentino, que sirva de exemplo para o conjunto do ativismo no Brasil”.
Aqui reside um problema mais grave, típico de quem se impressiona com imagens de manifestações. A esquerda argentina, sua fraqueza para ser mais exato, contribuiu para que Milei chegasse até aqui. Desde sua política eleitoral à sua completa desorganização, vários são os problemas da esquerda argentina que facilitaram o caminho de Milei e do imperialismo na Argentina.
O louvor aos aposentados e às torcidas organizadas, que estão certos em protestar, esconde o fracasso dos partidos da esquerda e do movimento sindical. Na realidade, sem essas organizações, a direita vai, como se diz, nadar de braçada.
Por outro lado, em sede de conclusão, o texto não apresenta uma proposta de luta, uma reivindicação, que só poderia ser “Fora Milei”; única proposta capaz de aglutinar todos os setores oprimidos da sociedade argentina. Sem isso, o texto não passa, de fato, de sociologia pseudo-combativa.
O governo golpista de Milei é uma ditadura contra o povo argentino, por isso precisa ser derrubado pelos trabalhadores e suas organizações. É isso que está colocado para os argentinos, e não a “luta contra o fascismo”, que virou uma frase sem conteúdo, especialmente quando na fileira dos anti-fascistas estão Joe Biden, Alexandre de Moraes, Emanoel Macron e outros.