A trajetória do terceiro mandato de Lula tem semelhanças notáveis com o último ciclo de governos de Juan Domingo Perón, na Argentina. A comparação revela o impasse atual do lulismo e antecipa, com base histórica, os dilemas de uma política nacionalista que evita o confronto direto com a burguesia.
Perón surgiu como figura central no governo militar argentino que chegou ao poder em 1943. Embora o regime fosse muito direitista, como o Estado Novo de Getúlio Vargas, se lançou em uma política positiva para a classe operária. Quando o imperialismo tentou derrubá-lo, a resposta foi uma paralisação geral e a ocupação da Praça de Maio pelos trabalhadores, exigindo sua libertação. A pressão popular foi tão intensa que os próprios militares recuaram, libertaram Perón e aceitaram eleições que o colocariam de volta no governo.
Durante seu governo, Perón implementou reformas constitucionais, ampliou direitos sociais e buscou certo grau de independência nacional, equilibrando-se diante da pressão do grande capital. Seu regime foi, como todo nacionalismo burguês, limitado. À medida que o tempo passava, Perón foi se inclinando cada vez mais à direita, perdendo o apoio de parcelas da juventude e da base operária mais mobilizada.
Com o golpe militar que o derrubou em 1955, a Argentina mergulhou em um longo período de ditaduras. Somente em 1973, após intensas mobilizações populares e uma crise profunda do regime, Perón pôde retornar, mas não mais com o mesmo fôlego. A ditadura militar permitiu eleições, mas vetou sua candidatura. Ele então lançou Héctor Cámpora, da ala esquerda do peronismo, como candidato. Cámpora venceu graças à mobilização popular, mas logo renunciou para que Perón, já autorizado, pudesse concorrer novamente.
De volta à presidência, o velho líder encontrou um movimento dividido. A ala direita do peronismo, com apoio militar, passou a perseguir a esquerda peronista, reprimindo duramente a juventude que o havia sustentado. O conflito interno tomou proporções brutais. Perón morreu em meio à crise, e sua esposa e vice, Isabelita Perón, assumiu. Ela se aliou ao Exército e preparou o terreno para o golpe de 1976, que deu início à ditadura de Jorge Rafael Videla.
Após o golpe de 2016, que resultou no impeachment de Dilma Rousseff, e a prisão de Lula em 2018, a burguesia brasileira impôs um regime cada vez mais fechado. Lula voltou ao poder em 2022, mas já sob um ambiente político controlado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Congresso direitista. Em vez de mobilizar a população contra esse regime, Lula optou por uma política de conciliação e capitulação.
A política econômica atual do governo é resultado dessa capitulação: juros altos mantidos por um Banco Central “independente” que sabota o crescimento, teto para o salário mínimo, arrocho fiscal, cortes no Bolsa Família. Tudo isso mostra que o governo Lula, como o de Perón nos anos 1970, perdeu a capacidade de agir de forma independente frente ao imperialismo e à burguesia nacional.
O PT hoje se apoia na ala mais direitista de seu próprio partido e em setores burgueses que operam abertamente contra qualquer perspectiva de transformação. Nenhuma mobilização de massas foi organizada desde a posse. Nenhuma reforma estrutural foi feita. Lula é um presidente isolado, cada vez mais refém de um regime político dominado pela direita e por instituições antidemocráticas.
O colapso do PT é, portanto, uma possibilidade real. A falência dos governos nacionalistas na América Latina comprova esse diagnóstico: Argentina, Chile, Peru, Uruguai, Bolívia, Colômbia, México — todos naufragaram. Só a Venezuela resiste porque, diferente dos demais, mantém um confronto direto com o imperialismo.
O ciclo da “onda rosa” está morto. O que virá em seu lugar será decidido pela capacidade de organização e luta da classe operária.