Nesta quinta-feira (27), o governo Lula publicou a Medida Provisória (MP) nº 1293, concedendo aumentos salariais a todas as graduações de militares das Forças Armadas. A MP foi assinada pelo presidente em exercício, Geraldo Alckmin (PSB), e seus efeitos dependerão da sanção presidencial da Lei Orçamentária Anual (LOA) para o exercício de 2025.
Estrutura Salarial dos Militares
Os vencimentos dos militares das Forças Armadas são compostos pelo soldo, acrescido de adicionais como tempo de serviço, formação e disponibilidade militar, entre outros. Com o reajuste, o salário bruto de um general pode ultrapassar R$ 40 mil.
Embora os militares possuam uma série de benefícios, sua distribuição é desigual. Existe um abismo significativo entre os praças e os oficiais, especialmente no topo da hierarquia.
Benefícios ao Alto Escalão
Assim como ocorre no Judiciário, os benefícios concedidos ao alto escalão militar estão além do padrão constitucional. Um exemplo disso é o caso do general Tomás Paiva, que recebeu R$ 770 mil em fevereiro e março de 2023 sob a rubrica de ajudas de custo e indenizações pecuniárias.
Mesmo com auxílios que ultrapassam R$ 150 mil a R$ 300 mil quando chegam à reserva, o Comando do Exército defende a legalidade desses pagamentos. Em nota, afirmou: “O Centro de Comunicação Social do Exército esclarece que, no caso em questão, se o oficial-general indicado para o cargo de comandante de sua respectiva Força estiver na ativa, ele será transferido para a reserva remunerada ao assumir o cargo.”
Durante o período, além dos R$ 770 mil em benefícios, o general ainda recebeu um soldo bruto de R$ 17 mil.
Uso do Orçamento para Benefícios
O uso do orçamento para inflar os salários é uma prática comum nas Forças Armadas. Pelo menos 11 dos 15 generais de quatro estrelas já se beneficiaram desse mecanismo. Em 2023, 45 oficiais receberam, em conjunto, R$ 4,3 milhões em ajudas de custo, o que representa uma média de quase R$ 100 mil por oficial.
O Ministério da Defesa gastou mais de R$ 1 bilhão com movimentações de pessoal. Esse gasto não se restringe ao Exército: a Marinha utilizou R$ 279 milhões, e a Aeronáutica, R$ 145,2 milhões.
Reajustes no Governo Bolsonaro
Em 2019, durante o governo Bolsonaro, foram implementados reajustes e mudanças nas carreiras militares, com grande impacto no orçamento federal. No entanto, o soldo base permaneceu inalterado.
As reformas promovidas beneficiaram majoritariamente a alta burocracia militar, favorecendo o sistema de apropriação de recursos públicos. Segundo a pesquisadora de ciência política da Unicamp, Ana Penido, “os praças se sentiram traídos, pois a reestruturação da carreira privilegiou claramente as camadas superiores”.
Pressão por Novos Reajustes
Desde o início do governo Lula, militares pressionam por reajustes salariais equivalentes aos 9% concedidos aos servidores civis. No entanto, o Ministério da Defesa resistiu, alegando o grande impacto orçamentário e o fato de que os militares já haviam sido contemplados em 2019.
Para o professor de ciência política da UFMG, Lucas Pereira Rezende, essa pressão demonstra o “poder assombroso que os militares exercem dentro da máquina estatal brasileira”. Segundo ele, o ministro da Defesa, José Múcio, atua mais como um embaixador dos militares do que como um gestor comprometido com a transparência e o equilíbrio orçamentário.
Reajuste Concedido na Véspera do Aniversário do Golpe de 1964
Apesar da resistência inicial, o governo acabou cedendo à pressão da alta burocracia militar e concedeu o aumento salarial. O timing da decisão — às vésperas do aniversário do golpe militar de 1964 — gerou ainda mais críticas.
O governo Lula, que não concedeu aumentos salariais proporcionais às reivindicações dos trabalhadores civis, beneficiou os altos oficiais militares com reajustes expressivos. Como observa Rezende, “os militares foram a categoria que mais conseguiu vantagens na reforma previdenciária. Enquanto reformas geralmente retiram direitos, os militares conseguiram ampliá-los”.
O Papel do Ministro da Defesa
Rezende também critica o papel desempenhado pelo ministro da Defesa: “Múcio está lá para atender aos interesses das Forças Armadas. Depois de tudo o que passamos nos últimos anos e do compromisso desse governo com o fortalecimento da democracia, é lamentável que o ministro reforce o corporativismo militar”.
Mais do que um reflexo de influência ministerial, a decisão do governo demonstra que o Brasil ainda vive sob forte tutela das Forças Armadas.


