O artigo Lula após a ONU: o soft power que define o século XXI, de Reynaldo José Aragon Gonçalves, publicado no Brasil247 nesta quinta-feira (25), simplesmente não estabelece contato com a realidade. É uma peça de ficção, pois “soft power” serve para exatamente nada. No mundo real é a força bruta que manda.
Gonçalves pinta um Lula que beira ao messianismo, por pouco não o faz multiplicar o pão e andar sobre as águas.
No primeiro parágrafo, se lê que “na ONU, Lula não falou apenas ao mundo: inscreveu o Brasil no centro da disputa do século. Ao defender democracia e soberania como inegociáveis, oferecer recursos concretos para o clima e dialogar até com adversários, ele transformou-se na voz que o planeta escuta — talvez o maior líder político do nosso tempo”.
Por falar em disputa, os Estados Unidos estão promovendo uma gravíssima agressão à Venezuela. Essa agressão, por extensão, é uma ameaça muito séria ao Brasil, pois o nosso país vizinho é também amazônico. A Amazônia é o centro da cobiça do imperialismo, pois ali existem riquezas incalculáveis. Dito isso, qual foi a postura de Lula? Declarar “neutralidade”. Em outras palavras, não vai fazer nada, não está defendendo a “democracia” e muito menos nossa soberania.
Quanto a oferecer recursos para o clima, é outra capitulação, pois é a “agenda climática”, uma política do imperialismo, que está impedindo que o Brasil explore o petróleo na Margem Equatorial. Quem tem poder de verdade fala grosso, como Donald Trump, que desdenhou da “energia limpa” e “aquecimento global”. Quem quiser, que reclame ao Papa, pois é assim que as coisas funcionam.
Gonçalves afirma que Lula transformou-se na voz que o planeta escuta. Mesmo que fosse verdade, o que acontece depois de escutarem o presidente brasileiro? Nada, o mundo segue seu curso. E dizer que Lula seja o maior político do nosso tempo, tem mais valor subjetivo do que prático. É uma espécie de prêmio de consolação.
Campanha eleitoral
Em tom de campanha, Gonçalves diz que “na liturgia anual de Nova York, muitos líderes falam e poucos são lembrados. Lula, ao contrário, entrou para o rol daqueles que marcam época. Sua retórica direta, carregada de biografia e legitimidade, rompeu o ruído das relações internacionais contemporâneas e ofereceu um norte ético e político num sistema fragmentado”. E completa: “mais que um discurso, foi a materialização de duas décadas de construção simbólica: do ‘combate à fome como arma de destruição em massa’ em 2003 ao ‘democracia e soberania são inegociáveis’ de 2025”.
Lula quer combater a fome, mas, afastado da base trabalhadora, está à mercê do teto gastos, pelo Congresso, pelo Senado, pelo STF, e de um Banco Central controlado diretamente pelos banqueiros que parasitam as contas públicas. Com uma política econômica desastrosa, que não consegue enfrentar aquelas forças poderosas, o combate à fome vai mal, pois o último aumento no Bolsa Família foi dado por Jair Bolsonaro, na gestão passada.
Seguindo seu raciocínio, Gonçalves escreve que “o percurso de Lula na ONU é a história de uma coerência rara na política internacional. Quando subiu pela primeira vez à tribuna em 2003, sua denúncia de que ‘a fome é a maior arma de destruição em massa’ soou como ruptura em um ambiente acostumado a tecnocratas e ao cinismo diplomático. A frase ressoou não apenas como denúncia, mas como convocação ética, colocando a fome no mesmo patamar das guerras e das armas nucleares. O Brasil se apresentava como potência moral, não pela força militar, mas pelo imperativo da justiça social”.
Deixando de lado a raridade de Lula, a fome está sendo utilizada neste exato momento como arma de destruição em massa pelos sionistas na Faixa de Gaza. O problema é que o Brasil não rompeu relações com “Israel” e continua abastecendo de combustível os criminosos. Lula faria muito mais contra a fome interrompendo as relações comerciais com os genocidas do que com um milhão de discursos. E por que não interrompe as relações? Porque não tem força, tem “soft power”, o que não resolve nada.
O articulista diz ainda que, em 2014, Lula “denunciou o genocídio em Gaza, defendeu a regulação das plataformas digitais”. No discurso da ONU, no entanto, criticou a luta armada do povo palestino, diz que é inaceitável. A regulação das redes sociais nada mais é que um esforço do imperialismo para impedir que as pessoas tenham acesso ao que acontece em Gaza, é uma proteção dos criminosos sionistas. Portanto, é apoio e não combate à desinformação.
Eleições
Pensando na próxima corrida presidencial, Gonçalves diz que “o soft power de Lula não se mede apenas no plano internacional. Ele tem um reflexo interno imediato, e as pesquisas divulgadas nos últimos dias confirmam isso”.
O texto de Gonçalves tem 17 mil caracteres que ficam patinando no vazio. Fala que “o século XXI ainda busca seus símbolos políticos universais”. E que a trajetória de Lula “é mais que política: é pedagógica”.
Há um trecho em que o articulista escreve que “Lula fala ao mundo com a autoridade de quem emergiu da pobreza, enfrentou o cárcere, sobreviveu ao lawfare e voltou pelo voto popular”. Deveria explicar, então, qual é a vantagem que o presidente obtém fazendo acordos, dependendo, até, do STF, justamente de quem contra ele praticou lawfare? O PT e Lula estão trabalhando para aumentar o poder desse tribunal que está usurpando as atribuições do Legislativo e implementando uma ditadura da toga no País.
Finalizando seu panegírico, acendendo incenso e todos os holofotes, Gonçalves escreve com lágrimas nos olhos que “ao sair da ONU em 2025, Lula não era apenas o representante de um país em disputa. Ele era o estadista que falava por um mundo fragmentado em busca de rumo. Talvez não seja exagero dizer que, naquele palco, emergiu como o maior líder político do século XXI — não pelo poder militar ou econômico que carrega, mas pela capacidade de articular causas comuns que falam à maioria da humanidade. Entre história e futuro, Lula se tornou a voz que o planeta precisa ouvir”.
Belas palavras, pena que não sirvam de nada. De fato, todo esse esforço é para tentar levantar o moral da tropa, uma vez que Lula perde força com o Congresso, se afastou da classe trabalhadora, a política econômica é um desaste, e terá que enfrentar uma verdadeira guerra, pois a burguesia não o quer em um novo mandato.
É muito mais proveitoso que se pressione Lula pela esquerda. Faz muito mais sentido exigir uma política positiva em relação à Venezuela, que se critique a manutenção de relações comerciais com “Israel”. Ou, ainda, que se busque apoio popular e uma guinada na política econômica do que escrever um elogio gigantesco e desconectado da realidade.
Esse tipo de texto, na verdade, mais atrapalha do que ajuda, pois engana a militância, que acaba acreditando que está tudo bem, quando, de fato, a coisa vai muito mal e precisa ser revertida.





