Em sua primeira entrevista desde que recuperou a liberdade após 41 anos de prisão, o combatente da resistência libanesa Jorge Abdala falou à imprensa libanesa Al Mayadeen de sua cidade natal, Qobayat, Líbano, discutindo sobre suas décadas na prisão, o apoio inabalável de sua família e suas convicções. Abdala, que foi forçadamente libertado após incansável mobilização internacional, descreveu a crescente campanha de solidariedade por sua libertação como parte do movimento mais amplo na luta contra o genocídio em Gaza. “Minha prisão se tornou mais custosa para a segurança nacional francesa do que minha libertação”, explicou ele.
“Minha família tem uma cultura de luta”, disse Abdala. “Eles suportaram a dor do meu encarceramento com simplicidade e força. Eu os encontrei exatamente como me lembrava, um exemplo de lealdade”.
Ele acrescentou que sua recepção superou todas as expectativas. “A acolhida que recebi me confirmou, ainda mais do que eu havia imaginado, que nosso povo possui uma autenticidade que só pode levar à vitória”. Ele também ficou impressionado com o que chamou de uma realidade inesperada: “Encontrei o Líbano unido, mais do que eu havia antecipado. Estava forte, acolhedor e firme”.
Questionado sobre as acusações que levaram ao seu prolongado encarceramento na França, Abdala disse que foi acusado de ser responsável pelas Facções Revolucionárias Armadas Libanesas que operavam na Europa. Mas a única acusação que ele reconheceu foi a defesa da legitimidade das operações de resistência.
“É direito de qualquer libanês fazer o que for necessário para enfrentar o inimigo onde quer que ele exista. Esse é um direito legítimo”, disse ele. “Eu disse a eles no tribunal: meu povo não me incumbiu de nenhuma das ações que vocês alegam. Mas tenho a honra de defender a legitimidade dessas operações, seja ontem, hoje ou amanhã.”
Abdala foi julgado por um tribunal especial de “terrorismo” sem júri, apesar do fato de que nenhuma acusação de “terrorismo” foi apresentada. Ele observou que a condenação inicial estava relacionada apenas a questões de passaporte, antes de sua transferência para o tribunal especial.
“Cumpri a pena após a qual deveria ter sido libertado”, relatou Abdala. “Mas no último momento, um representante norte-americano interveio”. Em 1984, o Departamento de Estado dos EUA instruiu seu embaixador a apresentar uma objeção legal diretamente, o que impediu a deportação de Abdala e levou à sua transferência para um tribunal especial que o condenou à prisão perpétua.
Entre 2002 e 2003, quando um tribunal francês ordenou sua libertação, o processo legal para a liberdade condicional foi alterado sob pressão dos Estados Unidos.
“Eles reativaram um tribunal de apelação que remonta à ocupação nazista da França”, disse Abdala. “Desde então, o juiz presidente tem sido ligado diretamente ao Ministério do Interior, e as decisões passam por ele“.
Em 2012, um tribunal novamente aprovou sua libertação, mas foi bloqueada pelo então Ministro do Interior. Abdala revelou que a então Secretária de Estado norte-americano, Hillary Clinton, enviou uma carta formal insistindo que ele permanecesse preso. “Ela disse que a decisão do tribunal não importa. Eu devo permanecer na prisão. E assim eu fiz.”
Mesmo quando a Ministra da Justiça francesa tentou intervir, o presidente a instruiu a não se intrometer. A decisão foi anulada e o caso recomeçou do zero.
“As massas da resistência são as mais empenhadas e capazes de impor a criação de um Estado com uma visão nacional e um exército totalmente armado que possa defender a terra, a água, os céus do país e a dignidade de seu povo”, disse ele.
Ele argumentou que o Líbano é totalmente capaz de construir um estado soberano e um exército que não precisa de guardiões estrangeiros para proteger as chamadas minorias. “Nosso exército, nosso povo e nossas massas podem superar o desafio”, disse ele. “Podemos construir um Estado que preserve a dignidade de seus cidadãos”.
Respondendo às demandas internas e internacionais pelo desarmamento da resistência, Abdala descartou tais chamadas como “propaganda doméstica destinada à distorção e distração”. Ele insistiu que a principal missão doméstica da resistência é estar nas ruas para garantir que o Exército Libanês se torne uma instituição forte e orgulhosa, capaz de defender a nação.
“Nenhum libanês quer ver um exército humilhado”, declarou ele. “Todos apoiam um exército que protege nossas fronteiras e nossa dignidade”.
Abdala alertou para os perigos regionais que o Líbano enfrenta, particularmente olhando para o norte em direção à Síria. “Vejam o que está acontecendo na Síria e vejam as posições nacionais. Ninguém com um pingo de razão aceitaria que nos tornemos fragmentos sectários manipulados por Netaniahu ou qualquer outra pessoa”, disse ele.
Ele reiterou que o Líbano pode e deve construir um Estado unificado que proteja seu povo, e que a resistência, tendo sacrificado seus melhores líderes, não poderia buscar nada menos.
Perguntado se ele deposita suas esperanças em movimentos populares no Líbano e em todo o mundo árabe à luz da guerra em Gaza, Abdala respondeu que isso não é apenas uma esperança, mas uma responsabilidade.
“Devemos nos esforçar, não apenas apostar, em mover as ruas árabes. Esta é uma missão central em nome da firmeza da resistência em Gaza e na Cisjordânia”, disse ele.
Quando perguntado se ele tem um projeto político próprio após sua libertação, Abdala disse: “Jorge Abdala é um simples combatente entre as fileiras de nosso povo”.
Ele explicou que se reunirá com forças políticas e populares no Líbano para ver como pode melhor servir ao país. “Vou ouvir, observar e ver em primeira mão o que antes só podia perceber abstratamente por trás das grades”, disse ele.
“Falarei com qualquer um que encontre tempo para me encontrar e ouvirei deles onde acreditam que posso contribuir, para o projeto nacional, para a construção do Estado, para a construção do exército, para o enfrentamento do inimigo sionista e para a proteção de nossa sociedade.”
Abdala, ex-membro da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), cumpriu até agora 41 anos de prisão, o que o torna o prisioneiro há mais tempo detido na Europa.
Ele fundou as Facções Revolucionárias Armadas Libanesas (LARF) marxista-leninistas, que reivindicaram a responsabilidade por quatro operações na França durante a década de 1980.
O combatente libanês foi acusado de participar do assassinato do adido militar dos EUA Charles Robert Ray e do diplomata israelense Yacov Barsimantov em 1982 e foi condenado por essas acusações.
Em seu julgamento pelo suposto assassinato dos diplomatas, Abdala recebeu uma sentença de prisão perpétua, significativamente mais dura do que os 10 anos pedidos pelos promotores. Seu advogado, Jacques Verges, chamou a sentença de “declaração de guerra”.





