A indústria de defesa do Japão está passando por uma mudança histórica: do “pacifismo” para um Estado fortemente armado. Em artigo publicado recentemente pelo órgão britânico Financial Times, o colunista Leo Lewis destaca os preparativos do país asiático para a guerra.
Na feira Defence and Security Equipment International (DSEI), realizada em Tóquio no início deste ano, o país anfitrião apresentou uma ruptura impressionante com sua imagem “pacifista” do pós-guerra. Com a participação de 471 empresas de defesa de 33 países — exibindo veículos aéreos não tripulados (VANTs), veículos blindados, modelos de jatos de combate e sistemas de defesa antimísseis —, o evento refletiu, segundo Lewis, uma aceitação crescente da nova “política de segurança japonesa”.
A mostra evidenciou a rápida modernização militar do Japão, impulsionada por preocupações com a instabilidade regional e dúvidas sobre a confiabilidade de longo prazo do guarda-chuva de defesa dos EUA.
Entre os destaques, Lewis mencionou a exibição de “Sam”, um manequim realista que simula um soldado gravemente ferido. Ele foi projetado para treinar cirurgiões militares e civis no tratamento de traumas de guerra.
Criado pelo cirurgião britânico Professor Ian Pallister, Sam tem sido usado desde 2023 para preparar médicos militares e civis do Reino Unido para ferimentos graves causados por guerra ou terrorismo. Ao contrário dos treinamentos tradicionais com atores e maquiagem, o manequim sangra continuamente até que os procedimentos cirúrgicos corretos sejam aplicados.
Pallister alertou que as décadas de paz no Japão criaram um profundo “Walker dip”, ou seja, uma perda de experiência médica de combate ao longo do tempo. A maioria dos cirurgiões militares japoneses nunca tratou ferimentos de guerra, deixando uma grave lacuna na prontidão médica das Forças Armadas.
Em 2023, o Japão anunciou que aumentaria seus gastos com defesa para 2% do PIB em cinco anos, uma ruptura com o espírito de sua constituição “pacifista”. A medida foi apresentada como resposta ao que o governo classificou como “o ambiente de segurança mais grave e complexo desde a Segunda Guerra Mundial”.
A mudança também encontra eco na opinião pública. Em uma pesquisa publicada pelo jornal Asahi Shimbun em 27 de abril deste ano, 68% dos entrevistados disseram preferir uma política externa “o mais independente possível”.
Apesar dos pesados investimentos em caças, sistemas de mísseis e capacidades navais, a prontidão mental e social para os custos humanos da guerra ainda é insuficiente. O realismo sombrio de Sam confronta os visitantes com as consequências de um combate que muitos, tanto no setor público quanto nas Forças Armadas, nunca testemunharam pessoalmente.
O manequim evidencia um desafio maior para os militares japoneses: superar a distância entre a preparação material e a disposição da sociedade para o conflito. Sem isso, até o arsenal mais avançado pode fracassar em uma guerra real.
A China já expressou preocupação com o aumento dos gastos militares do Japão. Em 2022, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Wang Wenbin, afirmou que os temores regionais do Japão eram exagerados e que o crescimento do militarismo seria “muito perigoso”.
Em maio deste ano, especialistas chineses voltaram a advertir sobre o uso dessas preocupações como justificativa para ampliar o orçamento militar japonês. Eles também alertaram a comunidade internacional para ficar atenta às reais intenções do Japão.
O secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, contribuiu para os temores, afirmando à imprensa japonesa:
“Não sejamos ingênuos em relação à China […] A expansão das Forças Armadas chinesas e os investimentos em sua indústria de defesa são impressionantes.”





