Brasília

Índio de verdade quer trator e pistola

Portal de esquerda brasileiro apresenta uma imagem falsa do índio brasileiro com o objetivo de promover o programa do imperialismo no principal país de América Latina

No artigo Acampamento Terra Livre reúne indígenas em luta pela demarcação de terras, contra o Marco Temporal e a destruição ambiental imposta pelos capitalistas, somos apresentados ao índio de fantasia criado pelo Esquerda Diário, órgão do Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT). O texto aborda o Acampamento Terra Livre (ATL), citado como “o maior encontro de indígenas do Brasil”.

Ao usar o termo “indígena”, o MRT já mostra a que veio. Seu objetivo não é discutir os problemas reais dos índios – que chamam uns aos outros desta foram -, mas sim ensinar aos próprios índios pelo que eles deveriam lutar. Os defensores do termo “indígena” advogam que esta expressão seria a mais correta porque daria conta de abordar toda a diversidade da sociedade primitiva pré-colonial. No entanto, muito longe de se interessar por qualquer “diversidade”, o MRT procura apresentar todos os índios como defensores de um única política: o neoliberalismo.

“No Brasil, a possível aprovação do Marco Temporal no STF sempre assombra os milhares de indígenas que correm o risco de perder seu território. Além disso, o maior Plano Safra da história e a exploração de petróleo na Foz do Amazonas são ataques mantidos e aplicados pelo Governo Lula, que vem se mostrando como mais um inimigo dos indígenas no Brasil”, diz o MRT.

De fato, o chamado Marco Temporal causa um problema importante para os índios. Ele mostra, em primeiro lugar, que o Supremo Tribunal Federal (STF) não é um “amigo” dos índios, dos oprimidos ou da esquerda – ao contrário do que órgãos como o Esquerda Diário constantemente dizem ou insinuam. Em segundo lugar, eles reforçam a ideia de que a posição do índio perante o Estado brasileiro é muito frágil. Afinal, em um único movimento, muitas terras que hoje pertencem a eles podem ser tomadas pela União.

O que há de errado na denúncia da questão do Marco Temporal é que aqueles que o denunciam apresentam esta questão como se, uma vez garantido o Marco Temporal, as terras dos índios estariam garantidas. O fato é que, ainda que uma terra seja reconhecida por lei como “terra indígena”, ela estará em constante disputa, uma vez que, no campo, praticamente não existe lei.

A denúncia do Marco Temporal é bastante conveniente para um setor do imperialismo, que utiliza a questão para estimular uma hostilidade dos índios e da esquerda em relação ao governo Lula e para aumentar a pressão sobre os latifundiários. No entanto, a defesa real dos direitos dos índios no campo sempre passa em brancas nuvens para esse setor.

É o que faz o Esquerda Diário:

“Ao longo das últimas décadas, os governos e as empresas capitalistas internacionalmente buscam, desde o Equador até o Mato Grosso, queimar a Amazônia até o fim, enquanto as populações originárias são dizimadas pelo garimpo, pelos rompimentos de barragens e até mesmo pela Covid-19, como no trágico caso dos centenas de Ianomâmis desde 2020.”

E a pistolagem, que corre solta no País inteiro e impede que os índios realmente tenham acesso à terra? Quanto a isso, nenhuma palavra. Afinal, só há duas possíveis respostas.

Ou o MRT defende um aumento do aparato de repressão no campo – o que seria uma política absurda e contrarrevolucionária, uma vez que a polícia é cúmplice da pistolagem -, ou o MRT seria obrigado a defender o armamento dos índios contra os capangas do latifúndio. Esta última, contudo, é impensável para um grupo que, ainda que se diga trotskista e revolucionário, é contra o armamento da população.

O silêncio sobre esta que é uma das questões mais importantes para os índios brasileiros mostra a insensibilidade do MRT para a causa deste setor tão oprimido. O índio brasileiro quer, acima de tudo, armas para enfrentar os latifundiários e os jagunços, pois, só assim, poderá ter acesso à terra.

Analisemos, agora, a questão do Plano Safra, um programa de linha de crédito para produtores rurais, facilitando a compra de máquinas, defensivos agrícolas, infraestrutura e expansão das lavouras — tudo isso com juros mais baixos e prazos maiores. O MRT poderia alegar, com razão, que este plano, da forma como é feito, fortalece o latifúndio, uma vez que são os que mais se beneficiam com a linha de crédito. Neste sentido, seria algo negativo para os índios, pois, quanto mais rico seu inimigo, mais poderoso ele se torna.

O problema que o MRT não responde é: o que colocar no lugar? Ora, a questão é simples: o governo brasileiro deveria implementar um plano de estímulo à produção dos índios. Deveria subsidiar e oferecer crédito para que os índios pudessem comprar tratores e outras máquinas agrícolas, defensivos agrícolas e a infraestrutura necessária para escoar a produção. O governo brasileiro deveria incorporar o índio à economia nacional como produtores rurais, que é o que efetivamente são.

O MRT é contra ou a favor de uma política como esta? Por não ter mencionado ela no artigo, nota-se que é contra. Afinal, o “indígena” do MRT é um ser que gosta de ser morto pelo latifúndio e que gosta de morrer de fome. Armas e trator não lhe interessam.

A última questão abordada no programa dos “indígenas” do MRT é a exploração do petróleo na Margem Equatorial. Leia-se: a exploração de petróleo a mais de 500 km da foz do Rio Amazonas.

Aqui, já não é apenas uma perversão da luta dos índios, como um ataque ao País. O MRT, ao mesmo tempo em que tenta levantar como bandeira algo que não diz respeito aos interesses deste setor, faz uma campanha explícita em defesa dos interesses das grandes petrolíferas internacionais, que querem manter o petróleo brasileiro sob o solo.

Segundo o MRT, o governo brasileiro busca “passar a exploração da Foz do Rio Amazonas com urgência, colocando um risco ambiental enorme à região e também às populações ribeirinhas e indígenas. Isso significa uma aliança com setores reacionários do agro, Alcolumbre e os interesses imperialistas sobre a Petrobrás”. Essa “pressa”, segundo o MRT, seria “inversamente proporcional à demora de mais de 700 dias para demarcar 13 terras indígenas, e outras que até hoje não foram demarcadas”.

Qual o risco ambiental em explorar o petróleo na região – que, inclusive, já é explorada por outras empresas, com a autorização de outros países? Por que o MRT fala em pressa, sendo que o governo Lula está há dois anos tentando fazer uma pesquisa para a prospecção de petróleo na área?

Não se trata de nenhuma defesa do “meio ambiente”, nem muito menos dos índios. O Esquerda Diário é contra explorar o petróleo porque, ao contrário brasileiro, seus redatores não têm pressa. Os bilhões de reais sob o solo brasileiro, que poderiam resolver problemas estruturais do País, não têm importância.

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