Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Coluna

Imprensa burguesa abandona o barco identitário

Anti-identitarismo dá as caras na imprensa burguesa: proliferam as críticas à cultura woke

Dois episódios recentes dos excessos da cultura woke animaram os debates na imprensa burguesa. De um lado, a psicanalista Maria Rita Kehl teve rebatido seu argumento contrário ao “lugar de fala” com base no fato de seu avô ter sido defensor da eugenia e, de outro, uma doutoranda da UFRJ escreveu coluna em que acusava Walter Salles Jr., o diretor de Ainda Estou Aqui, de ser branco, o que faria dele culpado das atrocidades cometidas por seus antepassados brancos contra negros.

Maria Rita Kehl tem história na esquerda. Ficou conhecida por seu trabalho com o MST e por sua participação na Comissão da Verdade. Walter Salles, bem, é cineasta e, como todos sabemos, herdeiro do banco Itaú. Ele dirigiu o filme que conta a história da viúva de Rubens Paiva, morto pela ditadura. A doutoranda da UFRJ questiona o fato de os 20 anos de ditadura “incomodarem mais que a escravidão”. Para embasar seu raciocínio, ela conclama os leitores a observar uma foto de Walter Salles Jr., que ela descreve desta maneira: “um senhor da terceira idade, cabelos lisos e grisalhos, magro, branco, de traços finos, bem finos, perceptivelmente descendente de europeus”.

No início do texto, a senhora Etiene Martins adverte: “Antes de ler esse artigo eu peço que, por gentileza, volte na foto e repare bem o rosto que ilustra o artigo desta semana. Atenha-se a cada detalhe, cada traço fenotípico, as texturas, as cores e só então dê continuidade a essa leitura. Pode voltar na foto com calma, sem problemas, eu aguardo”.

Embora pareçam ter saído da cabeça de Adolf, que mandava analisar traços fenotípicos para identificar judeus, essas ideias estão expressas em artigo de uma “jornalista, pesquisadora das relações étnico-raciais e doutoranda em Comunicação e Cultura na UFRJ”. Ela explica o raciocínio: “A vida inteira eu escutei que, por eu ser negra descendente de africanos, eu era descendente de escravos, e ao olhar essa foto encaro um descendente de escravocratas”. Uma pérola do maniqueísmo.

De fato, os negros brasileiros, em sua maioria, têm algum antepassado que foi escravizado, pois isso é um dado histórico. Ocorre que também têm, em sua maioria, um antepassado branco, já que, em sua maioria, são “pardos”, fruto de miscigenação. Esses ancestrais brancos, antigos e recentes, não são necessariamente “escravocratas”. Até porque o Brasil recebeu em sua história muitos imigrantes de diversos países, que aqui se misturaram com negros e indígenas. Nunca vivemos um apartheid como o da África do Sul ou mesmo um racismo à moda dos EUA. E mais: ainda que fossem escravocratas, seria justo cobrar essa “dívida histórica” 300 anos depois?

Alguns identitários criticaram o filme de Walter Salles Jr. pela falta de “representatividade” dos negros na trama. Talvez imaginassem que seria possível transformar um dos filhos de Rubens Paiva em negro ou, quem sabe, Eunice Paiva pudesse ter sido interpretada por uma atriz negra. É óbvio que isso seria impossível, para não dizer ridículo. “Quando eu olho para o rosto do Walter Salles Jr. eu enxergo a descendência dos que torturaram, estupraram, açoitaram, mantiveram em cárcere os meus ascendentes”, diz Etiene Martins.

O fato é que os dois casos despertaram o anti-identitarismo que estava adormecido nas páginas da imprensa burguesa. Um conjunto de fatores pode explicar a quantidade de colunistas que, de repente, se descobriram críticos da cultura woke. Um deles, naturalmente, é o efeito Trump, que desmonetiza as ONGs em efeito dominó, reduzindo o poder desse discurso; outro, que deve ser parte do mesmo, é o velho hábito de imitar os norte-americanos. As empresas já estão desmontando os departamentos de “diversidade”, o que mostra que só tinham aderido a essas práticas por pressão.

O que parece é que ninguém acreditou nessas coisas de verdade. Fazia-se um discurso marqueteiro, nada mais. A moda está passando, sem dúvida. Só vai ficar feio mesmo é para as universidades e sua produção acadêmica, que não têm a mesma volatilidade das colunas de jornal. Que fazer dessa montanha de teses em defesa de linguagem neutra, decolonialismo e outros blá-blá-blás identitários?

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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