Política internacional

Imperialismo não destruiu o fascismo, mas o exportou para o mundo

Colunista tenta apontar aliança com a burguesia dita democrática para derrotar o fascismo, citando a Segunda Guerra Mundial como exemplo

No dia 28 de julho, o portal Brasil 247 publicou uma coluna com o título Derrotar e deslegitimar o bolsonarismo, de autoria de Aldo Fornazieri, que, além de colunista, se apresenta como “Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e autor de “Liderança e Poder””.

A ideia central do texto é a de que não basta uma derrota eleitoral ao bolsonarismo, como aconteceu em 2022, quando Lula venceu as eleições para presidente, mas também seria necessário que o movimento político bolsonarista fosse “deslegitimado”, como o autor aponta que teria acontecido com o nazismo e o fascismo italiano ao fim da Segunda Guerra Mundial. A “deslegitimação” teria acontecido com a exposição dos crimes de guerra dos nazistas ao mundo, ao mesmo tempo em que eles eram condenados pelo Tribunal de Nuremberg. Mas foi isso mesmo o que aconteceu?

Vamos ao texto de Fornazieri. No primeiro parágrafo, ele comenta o que dissemos acima de forma resumida:

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o nazismo e o fascismo não só foram derrotados, mas foram também deslegitimados. A derrota foi em vários campos. A vitória das forças aliadas ocidentais e da União Soviética no front do Leste implicou numa derrota militar avassaladora ao Eixo constituído pela Alemanha, Japão e Itália. A derrota foi de tal ordem que as ideologias que buscavam legitimar esses regimes ficaram sem sustentação política e militar.”

É verdade que ao final da Segunda Guerra os regimes políticos de Japão, Itália e Alemanha entraram em colapso e, como foram derrotados na guerra, os três países foram submetidos a regimes formalmente democráticos, ou seja, com eleições. No entanto, o conteúdo de classe desses países continuou sendo o mesmo e a estrutura do Estado foi mantida, permitindo que muitos nazistas e fascistas no geral continuassem exercendo seus cargos.

Mas isso para falar somente nos três países. Em países como Portugal e Espanha, o fascismo que havia começado antes da Segunda Guerra continuou por algumas décadas, terminando em Portugal somente em 1974 e na Espanha em 1975.

Ou seja, se o fascismo foi “deslegitimado”, continuou no poder em muitos lugares sem legitimidade e com o apoio dos países que venceram a Segunda Guerra.

Fora isso, o fim da guerra também trouxe ao mundo a criação do Estado fascista e genocida de “Israel”, criado pelos países imperialistas vencedores do conflito. Desde então, ano após ano, “Israel” promove um contínuo genocídio contra os palestinos e os povos do Oriente Médio, em alguns anos com mais violência, em outros um pouco menos, chegando à etapa atual na qual o terror por parte dos sionistas é total.

Não bastasse o que foi dito acima, muitos nazistas fugiram de seus países com auxílio do imperialismo, vindo aparecer na América Latina e em outros lugares do mundo, onde ajudaram a criar ditaduras fascistas contra os povos locais. Para quem não se lembra, o Brasil teve uma ditadura de características fascistas de 1964 a 1985.

Já os países imperialistas, se bem não tivessem governos formalmente fascistas, eram igualmente criminosos. A Inglaterra, por exemplo, promoveu um genocídio contra os indianos ao mesmo tempo que Hitler assassinava judeus e eslavos e, ao ver a revolução se iniciar na Grécia, bombardeou o país. Já os franceses utilizaram as técnicas que aprenderam com os nazistas alemães contra a população da Argélia.

Entre si, os países imperialistas também cometeram crimes. Os EUA criaram campos de concentração para os japoneses, descendentes de japoneses e até pessoas que pareciam ser japoneses, depois, bombardeou a população civil em Tóquio, em várias cidades alemãs como Dresden e terminou a guerra jogando duas bombas atômicas contra duas cidades densamente povoadas no Japão.

Com base em tudo o que foi dito, o nazismo foi realmente deslegitimado por esses países após a guerra? Fornazieri cita outro mito do imperialismo contra o fascismo na sequência:

A condenação internacional dos crimes de guerra teve no Tribunal de Nuremberg um repúdio em nome do Humanismo e dos valores civilizacionais. Essa condenação estabeleceu uma interdição política, ideológica e moral ao nazismo e ao fascismo em, praticamente, todos os países do mundo, mesmo com as suas diferentes ideologias e diferentes sistemas e formas de governo.

O Tribunal de Nuremberg foi um show para enganar a população mundial. Estima-se que entre 70 e 85 milhões de pessoas morreram durante a guerra. No entanto, 24 pessoas foram processadas no tribunal e 21 delas foram condenadas, o que deixa claro que houve uma diminuição drástica do número de pessoas a serem julgadas pelo tribunal, pois o imperialismo não poderia condenar nem mesmo uma minoria considerável dos responsáveis, pois essas condenações poderiam levar à eliminação de parte da estrutura do Estado, o que prejudicaria os planos do imperialismo.

Para se ter uma ideia da proteção dada aos nazistas, é de conhecimento geral que os EUA protegeram e resgataram os bandeiristas da Ucrânia, que colaboraram a favor dos alemães contra a própria população e que os descendentes dessas pessoas foram enviadas novamente à Ucrânia após sua separação da União Soviética e que, hoje, a Ucrânia é controlada por esses grupos na guerra contra a Rússia.

Um outro caso que ilustra bem o tratamento vip dado aos nazistas é o de Kurt Waldheim, que foi secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) entre 1972 e 1981 e que, depois, governou a Áustria entre 1986 e 1992. Durante a campanha eleitoral que o levou a ser o presidente austríaco, foi descoberto que Waldheim havia sido oficial da Wehrmacht, o exército alemão, durante a Segunda Guerra.

Fornazieri, no entanto, tenta apontar que o que se seguiu à guerra foi uma evolução a favor da “democracia” e, para isso, cita o Estado de bem-estar social:

Na esteira desse processo, nas democracias ocidentais, se fortaleceu um consenso de que era necessário garantir direitos aos trabalhadores, inclusão e bem-estar. Esse entendimento foi sacramentado na ideia e na construção do Estado de bem-estar social.”

Porém, o Estado de bem-estar social vigorou em pouquíssimos países, a maioria esmagadora de países imperialistas e sob as custas de países pobres. O Brasil, por exemplo, não passou por esse processo.

O texto de Fornazieri continua tentando estabelecer que o fascismo somente teria voltado com força no século atual, provavelmente como fruto do desenvolvimento dos meios de comunicação, em especial da Internet. Para isso, cita pessoas e movimentos diferentes, nem todos exatamente fascistas.

Por exemplo, Fornazieri cita como “fascismo” o Bréxit, movimento que foi apoiado por uma parcela significativa da esquerda da Inglaterra. Jeremy Corbyn, que então era líder do Partido Trabalhista, defendia o Brexit até pouco antes das eleições, quando foi convencido pela ala de Keir Starmer a chamar outro referendo e, por conta disso, perdeu as eleições.

Ele cita também Viktor Orbán, presidente da Hungria, que, embora muito direitista, é um dos poucos governantes da União Europeia a se colocar contra a guerra da Ucrânia.

Falando em Ucrânia, é interessante como Fornazieri não cita o nazismo no país, nem fala sobre o extermínio de palestinos por parte de “Israel”.

O que Fornazieri tenta estabelecer é a ideia de que existem dois campos em luta, a democracia de um lado e o fascismo de outro. Como no parágrafo a seguir:

Hoje existe uma batalha campal pelo domínio do novo período civilizacional. Ela envolve várias frentes: valores, ideologias, tecnologias, mercados, influências, corrida espacial, Big Techs, comida, água, rios, mares, florestas, terras raras, ecologia, metahumanismo, genética, biopolítica etc. As forças que estão nessa guerra campal ainda estão se alinhando, definindo seus rumos, suas armas, suas estratégias.

A ideia é falsa, como já mostramos. Os “democratas”, pessoas como Biden, Macron e Keir Starmer, financiaram e promoveram o genocídio em Gaza, a guerra da Ucrânia e milhares de golpes de Estado, como o golpe de 2016 contra o governo de Dilma.

A real luta existente é a luta entre as classes sociais, em especial, não por ser a única, mas por ser o enfrentamento principal, que guia as ações de todas as classes em luta, é a classe entre a classe operária e o imperialismo, a burguesia dos países imperialistas.

Sem esse dado, as análises não levam a lugar algum e permitem que a população acabe apoiando o imperialismo contra um fascismo fictício e, com isso, acabar por apoiar algo tão ou até mais criminoso do que a ideologia fascista.

Fornazieri afirma, com razão, que “a emergência da extrema-direita se deve à crise do neoliberalismo”. Porém, não há como concordar com as conclusões tiradas daí pelo colunista, que aposta em uma aliança da esquerda brasileira com a burguesia dita “democrática”, inclusive com setores aliados do imperialismo, para derrotar Bolsonaro:

No Brasil, a tragédia negacionista da pandemia, o golpismo recorrente de Bolsonaro durante seu governo e a tentativa explícita de golpe no final de 2022 e início de 2023 não estimularam as forças democráticas e progressistas a deslegitimar o bolsonarismo. Apenas o STF agiu com firmeza com o objetivo de derrotar o golpismo. O preço dessa inação dos democratas e progressistas é a permanência do bolsonarismo como força política significativa na disputa política e eleitoral.

Diferentemente do que argumenta o autor, o STF foi parte fundamental no golpe de 2016. Sendo assim, não pode agir contra o golpismo, pois a própria instituição é golpista. O que o tribunal tenta fazer é o mesmo que fez na eleição de 2018, ou seja, retirar da disputa um dos candidatos favoritos. Em 2018, foi Lula, agora é Bolsonaro.

Fora isso, as ilegalidades do STF, que praticamente aboliu a Constituição do Brasil, fazem com que Bolsonaro apareça como alguém que somente é perseguido pelos verdadeiros poderosos no Brasil, o que lhe dá ainda mais popularidade e legitimidade, exatamente o contrário do que prega Fornazieri.

A prova disso é justamente Trump, que, ao contrário do que o autor diz no parágrafo abaixo, foi sim perseguido pela justiça nos Estados Unidos e pelo fajuto golpe de Estado do Capitólio. No fim, a única coisa que conseguiram no país foi a eleição de Trump.

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