O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu no último dia 4 que não há cabimento para a apuração do crime de injúria racial quando a vítima for branca e a ofensa tiver como causa exclusiva a cor de sua pele. “Embora não haja margem a dúvidas sobre o limite hermenêutico da norma, é necessário reforço argumentativo para rechaçar qualquer concepção tendente a conceber a existência do denominado racismo reverso”, afirmou o relator Og Fernandes, em sentença de um processo movido por um homem branco que teria sido chamado de “escravista, cabeça branca europeia” por um negro em Alagoas.
A decisão de que racismo não é um simples insulto deveria encerrar de vez qualquer debate sobre a falácia do “racismo reverso”, porém, o oportunismo de setores da extrema direita não deixou a oportunidade passar: no dia seguinte à decisão, os deputados Kim Kataguiri e Guto Zacarias, ambos do União Brasil, apresentaram projetos de lei para ampliar a tipificação do crime de racismo, incluindo brancos como possíveis vítimas.
Deputado federal, Kataguiri protocolou na Câmara Federal um projeto de alteração da Lei nº 7.716/1989, que tipifica os crimes de preconceito racial no Brasil. Segundo ele, o projeto tem como objetivo aprimorar a lei, “conferindo maior abrangência à tipificação dos crimes de preconceito, para serem reconhecidos e punidos, independentemente da cor, raça, etnia, religião ou procedência nacional da vítima”.
Já o deputado estadual em São Paulo Guto Zacarias defende que limitar a proteção ao racismo apenas para negros “deturpa o princípio da igualdade perante a lei”. É o tipo de distorção jurídica que só serve para confundir o debate e, no fundo, abrir caminho para relativizar a gravidade da discriminação racial no País.
O problema é que essa distorção não é um fenômeno exclusivo da extrema direita representada pelos dois parlamentares. Ela é uma consequência direta do identitarismo, que transforma a discussão sobre racismo em um emaranhado de definições subjetivas e emocionalmente carregadas.
Sob a política dos identitários, racismo deixou de ser uma questão objetiva e passou a ser qualquer coisa que ofenda um indivíduo de determinada cor, origem ou até mesmo preferência sexual. Com isso, criaram-se as condições para que a direita possa agora reivindicar que brancos também são vítimas de racismo.
Interessados em confusões do gênero, a imprensa imperialista impulsiona a questão racial como forma de encobrir o raiz classista do problema e setores da esquerda desorientados terminam adotando essa posição ao aceitarem que o conceito de racismo fosse ampliado para abarcar supostas opressões contra LGBTs e até contra sionistas apoiadores do genocídio palestino na Faixa de Gaza. O mesmo Judiciário que agora rejeita o “racismo reverso” já considerou crime de racismo a opiniões sobre homossexuais e aos seguidores do sionismo, equiparando questões ideológicas e comportamentais a um fenômeno histórico de opressão social.
Se o critério para definir o que é racismo deixa de ser a opressão objetiva, como a negação de direitos, de emprego, a discriminação, etc., e passar a ser a ofensa subjetiva, então brancos podem, sim, ser vítimas de racismo. Se LGBTs podem sofrer racismo por sua sexualidade, como o STF já decidiu, porque Lei nº 7.716/1989, responsável por tipificar crimes de preconceito racial no Brasil. O parlamentar defende que o projeto tem, por objetivo, aprimorar a lei “conferindo maior abrangência à tipificação dos crimes de preconceito, para serem reconhecidos e punidos, independentemente da cor, raça, etnia, religião ou procedência nacional da vítima”. não? Se sionistas, que controlam um Estado com poder nuclear e ocupam territórios palestinos à força e empreendendo uma campanha genocida para aterrorizar a população árabe, podem ser considerados vítimas de racismo por críticas políticas, qualquer grupo pode reivindicar o mesmo estatuto.
A decisão do STJ, portanto, não é imutável. No ritmo atual de revisionismo jurídico, basta uma nova loucura na cabeça dos juízes para que, em outro momento, a injúria racial contra brancos passe a ser reconhecida como racismo.
Por isso, a responsabilização dos identitários é essencial. Em vez de tratar o racismo como uma questão social objetiva, que deve ser combatida por meio de políticas concretas contra práticas discriminatórias reais, pelo fim da polícia e pela democratização do poder Judiciário (os dois maiores instrumentos do racismo real no País), a ideologia identitária transformou tudo em um jogo de palavras.
O resultado é que, enquanto a verdadeira luta contra a discriminação racial se enfraquece, o campo fica aberto para que oportunistas vendam a tese do “racismo reverso”. Se qualquer coisa pode ser racismo, então nada é racismo – e os maiores beneficiados desse caos semântico são aqueles que sempre se opuseram à luta dos negros.