Jerusalém, junho de 2016 — A história de Ibrahim Dakkak se confunde com a própria trajetória da resistência palestina no século XX. Engenheiro, intelectual, líder comunitário e ativista político, Dakkak dedicou sua vida à defesa de Al-Aqsa (Jerusalém) e ao desenvolvimento das instituições palestinas mesmo sob a ocupação nazista de “Israel”. Seu falecimento, em junho de 2016, provocou uma comoção generalizada, com milhares acompanhando seu cortejo fúnebre a partir da Mesquita de Al-Aqsa, local que ele mesmo ajudou a reconstruir décadas antes.
Nascido em 1929 no seio de uma família tradicional árabe, Dakkak testemunhou desde cedo as lutas que marcaram a Palestina. Após concluir seus estudos secundários em 1947, trabalhou brevemente no correio local, mas a criação do Estado de “Israel” pelo imperialismo em 1948 e a consequente expulsão de centenas de milhares de palestinos (a Nakba) o forçaram a se exilar no Cairo.
No Egito, formou-se em ciências e matemática pela Universidade Americana (AUC), onde também se engajou no movimento estudantil palestino. Seu primeiro exílio político veio em 1959, quando foi expulso do Kuwait — onde lecionava matemática — devido a suas posições anti-imperialistas. Essa experiência o levou a se especializar em engenharia civil na Turquia, formação que usaria mais tarde para reconstruir sua terra natal.
De volta à Palestina nos anos 1960, Dakkak trabalhou em projetos de infraestrutura educacional, como a construção do Tireh Girls College em Ramalá. A ocupação israelense de Jerusalém em 1967, no entanto, transformou sua trajetória. Em vez de deixar a cidade, ele decidiu ficar e organizar a resistência civil.
Sua atuação foi marcante em três frentes:
A reconstrução de Al-Aqsa após o incêndio criminoso de 1969, onde Dakkak coordenou os trabalhos de restauração da mesquita – um símbolo da resistência cultural palestina, a reorganização das entidades profissionais, quando presidiu a Associação de Engenheiros da Cisjordânia e ajudou a criar uma federação de sindicatos para fortalecer a sociedade civil sob ocupação, e o enfrentamento aos Acordos de Camp David, quando como secretário do Comitê Nacional de Orientação (1978) liderou a oposição palestina ao acordo que ignorava seus direitos nacionais.
Nos anos 1980, Dakkak voltou-se para o desenvolvimento de alternativas econômicas e educacionais palestinas. Seu trabalho no Fórum do Pensamento Árabe (que fundou em 1977) focou-se em reduzir a dependência da economia palestina em relação a “Israel”. Sob sua liderança, o Fórum publicou estudos pioneiros sobre habitação, agricultura e industrialização nos territórios ocupados.
Na educação, sua gestão na Universidade Birzeit (como presidente do conselho por mais de duas décadas) transformou a instituição em um centro de excelência acadêmica e resistência cultural. “Ele via a educação como um ato político”, recordou o ex-reitor Gabi Baramki em entrevista ao Jerusalem Quarterly.
Mesmo na velhice, Dakkak manteve-se ativo. Em 2002, ajudou a fundar a Iniciativa Nacional Palestina, um movimento que buscava uma alternativa à Autoridade Palestina, apesar de também não se alinhar totalmente ao Hamas. Seus escritos continuaram influentes, especialmente seus estudos sobre planejamento urbano em Jerusalém Oriental. Ao anunciar sua morte, o próprio presidente da AP Mahmoud Abbas destacou que Dakkak “foi um dos últimos grandes nacionalistas da velha guarda, que defendia Jerusalém com projetos, não apenas com discursos” – apesar de Abbas, em seu próprio discurso, ser um dos que defende apenas com discurso. Seu funeral multitudinário, saindo de Al-Aqsa, foi uma demonstração do respeito que conquistou em todas as facções palestinas.
Além de sua atuação prática, Dakkak deixou uma produção intelectual relevante, incluindo “Para um Programa de Desenvolvimento pela Resistência” (1981), um manual para a construção de autonomia econômica; estudos sobre a reemergência da identidade palestina após 1967 e análises sobre o papel das instituições locais na resistência à ocupação.