HISTÓRIA DA PALESTINA

Haydar Abd al-Shafi, fundador da Sociedade do Crescente Vermelho

Abd al-Shafi foi fundador da Sociedade do Crescente Vermelho e dirigente da OLP

Haydar Abd al-Shafi nasceu em Gaza, em 1919, em uma família tradicional palestina. Seu pai, Shaykh Muhiyiddin Abd al-Shafi, era diretor do Waqf em Hebron, onde Haydar cursou os primeiros anos escolares. Continuou os estudos em Gaza e, em 1936, ingressou no Colégio Árabe de Jerusalém. Contudo, a repressão britânica à Greve Geral Árabe levou à ocupação do colégio pelo exército, impedindo o início do ano letivo.

Abd al-Shafi então transferiu-se para Beirute, onde completou a formação secundária e ingressou na Universidade Americana de Beirute, graduando-se em medicina em 1943. Durante os anos de estudo, integrou a sociedade al-Urwa al-Wuthqa, formada por nacionalistas e progressistas árabes.

Recém-formado, trabalhou por seis meses no Hospital Governamental de Jafa e, em seguida, como médico da segunda brigada da Legião Árabe da Transjordânia. Retornou a Gaza, onde fundou sua clínica particular e, em 1945, participou da criação de um ramo da Sociedade Médica Palestina, sediada em Jerusalém.

Durante a Nakba de 1948, Abd al-Shafi prestou atendimento médico a feridos palestinos nos enfrentamentos contra os grupos sionistas. Pouco tempo depois, em 1949, partiu para os Estados Unidos, onde se especializou em cirurgia no Hospital Miami Valley, em Dayton, Ohio. Em 1954, retornou a Gaza — então sob administração egípcia — e trabalhou no Hospital Tal al-Zuhur antes de reabrir sua clínica particular.

Nos anos seguintes, Abd al-Shafi participou ativamente da resistência à ocupação sionista da Faixa de Gaza, em especial durante a invasão de 1956. Serviu como interlocutor entre as diferentes correntes nacionalistas, comunistas e islâmicas que atuavam no território. Após a retirada das tropas israelenses, foi nomeado chefe dos serviços de saúde pela administração egípcia, integrando também o Conselho Executivo que coordenava os serviços públicos da Faixa.

Em 1962, com a decisão do governo egípcio de instaurar um Conselho Legislativo em Gaza, Abd al-Shafi candidatou-se e foi eleito. Tornou-se presidente da câmara, cargo para o qual foi reconduzido em 1964. No mesmo ano, participou da fundação da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), integrando seu primeiro Conselho Nacional Palestino em Jerusalém. Foi escolhido por Ahmad al-Shuqairi como membro do Comitê Executivo da OLP, cargo que ocupou por um ano.

Após a ocupação israelense de 1967, Abd al-Shafi atuava como médico voluntário no Hospital Shifa, em Gaza. Com outros militantes, fundou a Sociedade do Crescente Vermelho Palestino, organização que só foi oficialmente reconhecida pelas autoridades israelenses em 1972. Ainda assim, a entidade expandiu-se, criando filiais em Rafah, Khan Yunis, na região central e no norte da Faixa. Atuou não apenas na área da saúde, mas também na organização de atividades culturais e sociais. Abd al-Shafi presidiu a entidade por mais de três décadas, até 2005.

Sua atuação política o tornou alvo do regime de ocupação. Em 1969, foi deportado para a região de Nakhl, no deserto do Sinai.

No ano seguinte, foi novamente expulso, desta vez para o Líbano. Apesar disso, retornou a Gaza meses depois, por decisão do Supremo Tribunal de ‘Israel’.

Em 1973, participou da criação da Frente Nacional Palestina, braço da OLP nos territórios ocupados. Anos depois, em 1978, contribuiu para a fundação do Comitê Nacional de Orientação, reunindo prefeitos e lideranças nacionalistas da Cisjordânia e de Gaza, em reação aos Acordos de Camp David, que deliberadamente excluíam a questão palestina.

Com a eclosão da Primeira Intifada, em 1987, Abd al-Shafi foi um dos principais defensores da organização de comitês populares para coordenar a mobilização. Encorajou a unidade entre os partidos nacionalistas e a criação de uma direção única para o levante, num esforço de fortalecer a luta contra a ocupação.

Em 1991, foi nomeado chefe da delegação palestina na Conferência de Madri. Em seu discurso, defendeu um processo de paz baseado nas resoluções da ONU e na criação de um Estado palestino com capital em Jerusalém Oriental.

Por meses, liderou as negociações com os israelenses em Washington, mas renunciou em abril de 1993, em protesto contra a continuidade da construção de colônias sionistas em territórios ocupados. Criticou a falta de seriedade das negociações e, mesmo após ser convencido a retomar a liderança da delegação, passou a defender a suspensão da participação palestina nos diálogos. Em julho de 1993, declarou não ter conhecimento das tratativas secretas entre a OLP e o Estado sionista que culminariam nos Acordos de Oslo, dos quais não participou e cuja cerimônia de assinatura, em setembro, recusou-se a comparecer.

Nas eleições legislativas palestinas de 1996, foi o mais votado da Faixa de Gaza. Presidiu o comitê político do Conselho Legislativo, mas renunciou em 1998, denunciando a corrupção nas instituições da Autoridade Palestina e a ausência de separação de poderes no governo.

Durante a Segunda Intifada, iniciada em setembro de 2000, defendeu a mobilização popular, mas rejeitou sua militarização, insistindo na necessidade de uma direção política unificada. Em 2002, foi um dos fundadores do Movimento da Iniciativa Nacional Palestina, do qual se tornou secretário-geral. A organização tinha como objetivo lutar pelo fim da ocupação, pela criação de um Estado palestino nos territórios ocupados em 1967, pelo direito de retorno dos refugiados e pela reforma democrática das instituições palestinas.

Abd al-Shafi também participou de diversas instituições civis e universitárias, como o Conselho da Universidade de Birzeit, a Sociedade Beneficente Maqasid, o Fórum Árabe do Pensamento, o Centro pelos Direitos dos Trabalhadores e a Comissão Independente pelos Direitos dos Cidadãos.

Foi homenageado em 2007 por Mahmoud Abbas com a Estrela da Distinção da Palestina. Faleceu em Gaza, em 25 de setembro daquele ano, após longa enfermidade. Seu funeral reuniu milhares de palestinos, representantes de organizações nacionalistas e islâmicas, lideranças sociais e entidades de direitos humanos.

Seu nome foi dado a duas rotatórias — em Gaza e Ramalá —, à Faculdade de Medicina Odontológica da Universidade al-Azhar, e a centros culturais e bibliotecas. Ainda em 2007, sua vida foi retratada no documentário Uma vida inacabada.

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