Sayid Tenório

Historiador, especialista em Relações Internacionais e vice-presidente do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal). Autor do livro Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência (Anita Garibaldi/Ibraspal). Twitter/X: @soupalestina

Coluna

Hassan Nasrallah: o líder que virou símbolo da resistência

Sua vida foi a de um homem que transformou adversidades em força, guiado por fé inabalável e pela convicção de que a resistência é um dever

Seyyed Hassan Nasrallah, líder histórico do Hezbollah, foi martirizado aos 64 anos em 27 de setembro de 2024, durante um ataque aéreo israelense ao sul de Beirute. O bombardeio, que lançou mais de 80 mísseis sobre a capital libanesa, ocorreu no mesmo dia em que o primeiro-ministro de Israel discursava na Assembleia Geral da ONU.

Sua morte provocou luto em todo o Oriente Médio e consolidou ainda mais sua imagem como um dos maiores símbolos da resistência contra a ocupação israelense.

O sobrenome Nasrallah pode ser traduzido como “vitória por meio de Deus”, uma definição que, para muitos de seus seguidores, resumiu sua trajetória.

Nascido em 31 de agosto de 1960 em uma família xiita humilde, no leste de Beirute, ele se interessou cedo pelos estudos religiosos e encontrou inspiração no imã iraniano de origem libanesa Musa Sadr, líder respeitado e figura central da comunidade xiita.

A juventude de Nasrallah coincidiu com o início da guerra civil libanesa, em 1975, período que marcou profundamente sua visão política e religiosa. Em julho daquele ano, Musa Sadr fundou as Brigadas de Resistência Libanesas, ligadas ao Movimento Amal, que reunia militantes xiitas para enfrentar a ocupação israelense.

Nasrallah ingressou no Amal, mas buscava uma formação mais sólida. Em 1976, viajou para Najaf, no Iraque, a fim de estudar no seminário religioso local. Lá conheceu figuras que moldariam sua trajetória, entre elas Abbas Al-Moussawi, com quem estabeleceu uma amizade duradoura.

Em 1978, a repressão do regime iraquiano contra líderes xiitas o obrigou a retornar ao Líbano, onde continuou os estudos em Baalbeck. Com a Revolução Islâmica do Irã, em 1979, aproximou-se ainda mais da ideologia defendida pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, que pregava a resistência contra a opressão e a ocupação estrangeira.

A invasão israelense do Líbano em 1982 foi um divisor de águas. Divergindo das posições do Movimento Amal, Nasrallah, Al-Moussawi e outros militantes fundaram o Hezbollah, organização que combinava a identidade religiosa xiita com a luta armada contra Israel. O grupo cresceu rapidamente, organizando uma campanha de guerrilha que se tornaria um dos maiores desafios ao exército israelense.

Com a morte de Al-Moussawi em 1992, Nasrallah assumiu a liderança do Hezbollah. Sua trajetória à frente do movimento foi marcada por transformações estratégicas: de uma milícia local, a organização tornou-se uma força política e militar de relevância regional.

Entre seus marcos, estão a intensificação das operações contra a ocupação israelense nos anos 1990, a retirada unilateral de Israel do sul do Líbano, em maio de 2000, e a libertação de prisioneiros libaneses e palestinos em trocas mediadas diretamente por ele.

A Guerra dos 33 Dias, em julho de 2006, elevou sua imagem a patamares históricos. Após a captura de dois soldados israelenses pelo Hezbollah, Israel lançou uma ofensiva em larga escala contra o Líbano. Apesar da desproporção militar, a resistência libanesa resistiu e saiu fortalecida. O resultado foi visto por muitos no mundo árabe como uma derrota sem precedentes do exército israelense.

Mesmo mantendo-se recluso por razões de segurança, Nasrallah cultivava uma imagem de proximidade com o povo. Sua eloquência, carisma e credibilidade eram reconhecidos até entre inimigos. Autoridades israelenses admitiam ouvir seus discursos com atenção, algo raro em meio à desconfiança da opinião pública em relação a líderes políticos da região.

Sua vida também foi marcada por tragédias pessoais. Em 1997, seu filho primogênito, Hadi, foi morto em combate contra forças israelenses, fato que reforçou sua imagem de líder comprometido com a causa até nas esferas mais íntimas.

Nos últimos anos, Nasrallah apoiou ativamente a resistência palestina, especialmente após os acontecimentos de 7 de outubro de 2023. Sob sua liderança, o Hezbollah lançou uma campanha militar de apoio a Gaza, ampliando a pressão contra Israel e reforçando seu papel de aliado dos palestinos.

Sua morte, em setembro de 2024, foi amplamente condenada. Milhões foram às ruas em países como Irã, Iêmen, Iraque e no próprio Líbano. Autoridades religiosas, como o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo iraniano, e o aiatolá Ali Sistani, do Iraque, exaltaram sua trajetória e lamentaram a perda. Governos e organizações políticas também decretaram luto oficial.

Para muitos analistas, o assassinato de Nasrallah não enfraqueceu a resistência, mas fortaleceu sua simbologia. Como disseram lideranças xiitas, a eliminação física de heróis da resistência não apaga suas ideias, mas expõe, diante da opinião pública mundial, a brutalidade de seus inimigos.

A imagem de Hassan Nasrallah hoje circula em cartazes, bandeiras e murais por todo o Oriente Médio. Sua vida foi a de um homem que transformou adversidades em força, guiado por fé inabalável e pela convicção de que a resistência é um dever.

Sua morte o elevou de líder a mártir, e seu legado continua a inspirar gerações que veem na sua história um chamado à justiça e à libertação da Palestina.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a deste Diário

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