Em comunicado divulgado na tarde desta sexta-feira (3), o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) respondeu à proposta de paz do presidente norte-americano Donald Trump para a Faixa de Gaza. O partido palestino emitiu a declaração dois dias antes de encerrar o prazo estabelecido pelo próprio mandatário dos Estados Unidos no dia 29 de setembro, quando apresentou, ao lado do primeiro-ministro israelense Benjamin Netaniahu, seu plano para um cessar-fogo.
O Hamas afirmou ter realizado “consultas aprofundadas” em suas “instituições dirigentes”, bem como junto as forças, partidos e grupos armados palestinos, e aos “nossos irmãos mediadores e amigos”. Ainda que seja o partido mais popular da Palestina e a organização dirigente da revolução em curso, o Hamas sempre teve o costume de consultar as demais forças da resistência antes de tomar as principais decisões acerca da guerra contra “Israel”. Essas mesmas forças foram consultadas e participaram da deflagração da Operação Dilúvio de Al-Aqsa, que completará dois anos no dia 7 de outubro.
A proposta de Trump estabelece 20 pontos para a paz em Gaza. O Hamas, no entanto, comentou apenas uma parte deles.
No comunicado, o partido palestino afirma que aprovou, “visando alcançar o fim da guerra e a retirada total das tropas israelenses da Faixa de Gaza”, a libertação de todos os prisioneiros israelenses — vivos ou restos mortais — “conforme a fórmula de troca apresentada na proposta do presidente Trump”.
A fórmula de Trump estabelece que:
- Em 72 horas após a aceitação pública do acordo, todos os prisioneiros sob custódia do Hamas, vivos e mortos, serão devolvidos.
- “Israel” libertará 250 prisioneiros com pena de prisão perpétua, mais 1.700 habitantes de Gaza que foram detidos após 7 de outubro de 2023, incluindo todas as mulheres e crianças detidas nesse período.
- Para cada refém israelense cujos restos mortais sejam libertados, “Israel” libertará os restos mortais de 15 habitantes de Gaza falecidos.
Para realizar a troca, o Hamas se disse disposto a “entrar imediatamente, por meio dos mediadores, em negociações para discutir os detalhes”, de modo a garantir “condições de campo” seguras.
Quanto ao primeiro ponto da proposta de Trump, segundo a qual “Gaza será uma zona desradicalizada e livre de terrorismo que não representará uma ameaça para os seus vizinhos”, o Hamas não comentou. O presidente norte-americano, no entanto, não detalhou o que seria uma Gaza “livre de terrorismo”. O segundo ponto estabelece que Gaza será reconstruída para o benefício do povo de Gaza. Essa proposta, ainda que não tenha sido comentada pelo Hamas no último comunicado, não contradiz o entendimento do grupo em vários outros textos, nos quais exige a reconstrução da Faixa de Gaza. Fica em aberto, no entanto, como seria essa reconstrução.
O plano de Trump estabelece que, assim que acontecer a troca de prisioneiros, os membros do Hamas “que se comprometerem com a coexistência pacífica e com o desarmamento de suas armas receberão anistia”. Da mesma forma, “os membros do Hamas que desejarem deixar Gaza receberão passagem segura para os países que os receberão”. Quanto a isso, não houve comentário do Hamas, uma vez que não se trata de uma proposta para o grupo em si, mas sim para indivíduos.
Trump também propôs que, após a aceitação do acordo, toda forma de ajuda humanitária será liberada imediatamente para ingressar na Faixa de Gaza. No mínimo, as quantidades de ajuda seriam equivalentes ao que foi estabelecido no acordo de 19 de janeiro de 2025 sobre ajuda humanitária, incluindo a reabilitação de infraestruturas (água, eletricidade, esgoto), a reabilitação de hospitais e padarias, e a entrada de equipamento necessário para remover entulho e abrir estradas. Tanto o Hamas como “Israel” haviam aceitado o acordo à época, mediado pelos Estados Unidos e pelo Catar, mas este acabou sendo rompido unilateralmente pela entidade sionista. Da mesma forma, Trump propõe que o mecanismo presente no acordo de 19 de janeiro de 2025 sirva de referência para a abertura da passagem de Rafá, na fronteira de Gaza com o Egito, em ambas as direções.
Segundo o plano de Trump, a entrada de distribuição e ajuda na Faixa de Gaza prosseguirá sem interferência das duas partes através das Nações Unidas e suas agências, e do Crescente Vermelho, além de outras instituições internacionais não associadas de forma alguma a nenhuma das partes. O Hamas também não comentou este ponto. Contudo, no último período, o Estado de “Israel” é quem tem sido o principal crítico da atuação das instituições internacionais, acusando-as de estarem infiltradas pelo grupo palestino.
Uma série de pontos da proposta de Trump não dizem respeito ao Hamas, mas sim diretamente a “Israel”, que teria, segundo Trump, aceitado o plano. Entre eles, estão:
- A proibição de “Israel” de ocupar ou anexar Gaza.
- A retirada progressiva, com base em padrões, marcos e prazos acordados entre “Israel” e os Estados Unidos, das tropas israelenses de toda a Faixa de Gaza, exceto por uma presença de perímetro de segurança que permanecerá “até que Gaza esteja devidamente segura de qualquer ameaça terrorista ressurgente”
A parte do plano de Trump na qual o Hamas não demonstrou acordo no comunicado recente é aquela que diz respeito à soberania palestina.
O presidente norte-americano propõe que “Gaza será governada sob a governança transitória temporária de um comitê palestino tecnocrático e apolítico, responsável pela gestão diária dos serviços públicos e municípios para o povo de Gaza”. Esta formulação é muito parecida com o que disse o Hamas: “o movimento também renova sua aprovação para a entrega da administração da Faixa de Gaza a um organismo palestino formado por independentes (tecnocratas), com base em um consenso nacional palestino e apoiado pelo respaldo árabe e islâmico”.
Conforme o partido palestino deixou claro, essa posição não é nova. Após várias conversas realizadas no final de 2024 na cidade do Cairo, no Egito, Hamas e Fatá (partido que governa a Autoridade Palestina) já haviam concordado com a formação de um governo de “tecnocratas” na Faixa de Gaza após o fim da guerra. O comitê teria de 10 a 15 “tecnocratas politicamente independentes”, que irão administrar áreas como educação, saúde, economia, bem como a ajuda humanitária e a reconstrução com a assistência de “atores internacionais”.
Ocorre que, no programa de Trump, o comitê seria composto não apenas por, mas também “especialistas internacionais”. Esse comitê, por sua vez, seria supervisionado e monitorado por um novo órgão de transição internacional, o “Conselho da Paz”, que seria liderado e presidido pelo próprio Donald Trump e outros líderes, incluindo o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair.
O “Conselho da paz” estabeleceria a estrutura e gerenciaria o financiamento para a reconstrução de Gaza até que a Autoridade Palestina tivesse concluído um programa de reformas delineado pelos países imperialistas, incluindo a Declaração de Nova Iorque, que foi criticada pelo Hamas e por seus aliados.
O “Conselho da paz” proposto por Trump e a presença de “especialistas internacionais” no comitê de “tecnocratas” podem ser vistas como um obstáculo ao “consenso nacional palestino” proposto pelo Hamas. O partido palestino deixou claro que as questões relacionadas “ao futuro da Faixa de Gaza e aos direitos legítimos do povo palestino” estão vinculadas “a uma posição nacional unificada, com base nas leis e resoluções internacionais pertinentes, a ser discutido dentro de um quadro nacional palestino abrangente, do qual o Hamas fará parte e ao qual contribuirá com total responsabilidade”.





