João da Cruz e Sousa, um dos maiores poetas da literatura brasileira, faleceu em 19 de março de 1898, vítima de tuberculose. Considerado o introdutor do simbolismo no Brasil, sua obra influenciou gerações e continua sendo referência. Autor de livros como “Missal”, “Broquéis” e “Evocações”, o poeta catarinense se destacou por seu estilo marcante, caracterizado por musicalidade, lirismo e forte simbolismo.
Nascido em 24 de novembro de 1861, em Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis) Cruz e Sousa era filho de ex-escravos e recebeu uma educação privilegiada para um negro de sua época, aprendendo francês, latim e grego. Desde cedo demonstrou interesse pela literatura e começou a escrever poesia ainda jovem. Seu talento logo se revelou, e ele passou a colaborar com jornais e publicações literárias.
Mesmo com seu reconhecimento como poeta, enfrentou dificuldades devido ao racismo. Em 1883, foi impedido de assumir o cargo de promotor em Laguna por ser negro. Apesar disso, não desistiu e seguiu sua carreira, trabalhando como arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil e publicando seus escritos.
Em 1893, Cruz e Sousa lançou “Missal” e “Broquéis”, considerados marcos do simbolismo no País. Sua poesia é marcada por um forte caráter sensorial, explorando imagens oníricas, temas místicos e referências à cor branca, que em sua obra ultrapassa o significado racial e se torna um símbolo espiritual. O poeta também abordou a paixão, a dor e a morte com intensidade única.
Dois de seus poemas mais emblemáticos exemplificam bem seu estilo. “Lésbia” traz uma visão sensual e atormentada do desejo, com versos fortes e imagéticos:
“Cróton selvagem, tinhorão lascivo,
Planta mortal, carnívora, sangrenta,
Da tua carne báquica rebenta
A vermelha explosão de um sangue vivo.Nesse lábio mordente e convulsivo,
Ri, ri risadas de expressão violenta
O Amor, trágico e triste, e passe, lenta,
A morte, o espasmo gélido, aflitivo…Lésbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demoníaca serpente
Das flamejantes atrações do gozo.Dos teus seios acídulos, amargos,
Fluem capros aromas e os letargos,
Os ópios de um luar tuberculoso…”
Já “Antífona”, poema que abre “Broquéis” com um tom etéreo e místico:
“Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!…
Ó Formas vagas, fluídas, cristalinas…
Incensos dos turíbulos das aras…
Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas…
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dotências de lírios e de rosas…
Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume…
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Requiem do Sol que a Dor da Luz resume…
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes…
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes…
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos,
Com a chama ideal de todos os mistérios.
Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente…
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas…
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas…
Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos…
Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios…
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios…
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte…”
Apesar de seu talento, Cruz e Sousa teve uma vida marcada por tragédias. Seus filhos morreram cedo, e sua esposa, Gavita Gonçalves, enlouqueceu após as perdas. Enfrentando dificuldades financeiras e problemas de saúde, o poeta passou seus últimos dias debilitado, sendo transportado para Minas Gerais na tentativa de tratamento. Sua morte precoce impediu que alcançasse o reconhecimento em vida, mas sua obra permaneceu.
Hoje, Cruz e Sousa é lembrado como um dos maiores poetas do Brasil. Seu legado está presente em diversas homenagens, como o Palácio Cruz e Sousa, em Florianópolis, onde seus restos mortais foram transferidos em 2007. Seu nome também batiza ruas, praças e prêmios literários. Mais do que um poeta simbolista, foi um artista singular que enfrentou as barreiras do preconceito e deixou uma poesia intensa, rica e inovadora.