Na última quarta-feira (26), completaram-se 10 anos do início da guerra imperialista no Iêmen, desencadeada pela intervenção militar da Arábia Saudita contra a revolução liderada pelo partido Ansar Alá. Em 26 de março de 2015, uma coalizão encabeçada pelo governo saudita, com apoio dos Estados Unidos e outros aliados ocidentais, lançou a operação Tempestade Decisiva, visando sufocar a tomada de poder pelos revolucionários iemenitas. O conflito, que opôs a ditadura mundial às forças populares do Iêmen, devastou o país, matando mais de 377 mil pessoas até 2023, segundo relatório da ONU, e gerando uma das piores crises humanitárias do planeta.
A revolução iemenita teve raízes em 2011, durante a Primavera Árabe, quando protestos massivos exigiram a saída do presidente Ali Abdullah Saleh, no poder desde 1978. Saleh, aliado dos sauditas e dos Estados Unidos, foi deposto em 2012, e seu vice, Abd Rabbuh Mansur Hadi, assumiu o governo. Contudo, Hadi enfrentou resistência popular por sua incapacidade de resolver a crise econômica e política.
Nesse cenário, o partido Ansar Alá, liderado por Abdul-Malik al-Houthi, ganhou força no norte do país, especialmente entre a minoria zaidita xiita, que representa cerca de 35% da população, conforme dados do Pew Research Center de 2014. Em agosto de 2014, o Ansar Alá organizou protestos em Saná contra a retirada de subsídios ao combustível, o que agravou a pobreza no país mais pobre do Oriente Médio.
A revolução avançou rapidamente. Em setembro de 2014, forças de Ansar Alá tomaram Saná, forçando Hadi a fugir para Áden, no sul, e depois para Riad, na Arábia Saudita, em março de 2015. O partido declarou vitória, afirmando que a revolução buscava soberania nacional. O líder Abdul-Malik al-Houthi declarou em discurso televisionado em 20 de março de 2015: “não aceitaremos mais a dominação estrangeira sobre o Iêmen. Nossa luta é pela independência e dignidade do povo iemenita”. A tomada de poder foi vista como um golpe pela Arábia Saudita e seus aliados, que acusaram o Ansar Alá de ser um instrumento do Irã.
A intervenção saudita começou em 26 de março de 2015 com bombardeios aéreos em Saná e outras cidades controladas por Ansar Alá. A coalizão, que incluiu Emirados Árabes Unidos, Barém, Cuaite, Catar, Egito, Jordânia, Marrocos e Sudão, foi apoiada logisticamente pelos Estados Unidos, Reino Unido e França.
O rei saudita Salman bin Abdulaziz anunciou na época: “esta operação é para proteger o governo legítimo do Iêmen e impedir a expansão de forças que ameaçam a estabilidade regional”. Os ataques miraram posições de Ansar Alá, mas também atingiram civis: em abril de 2015, um bombardeio em um mercado em Saada matou 62 pessoas, segundo a Human Rights Watch. A coalizão impôs um bloqueio naval e aéreo, restringindo a entrada de alimentos e remédios, o que agravou a fome no país.
A guerra rapidamente se transformou em um massacre. Dados do Yemen Data Project, atualizados até 2023, mostram que os bombardeios sauditas realizaram mais de 25 mil ataques aéreos, dos quais 30% atingiram alvos civis, como escolas, hospitais e mercados. Em 2016, um ataque a um hospital apoiado pela Médicos Sem Fronteiras em Abs matou 19 pessoas, incluindo pacientes e médicos.
A organização denunciou: “os ataques a instalações médicas são inaceitáveis e violam o direito internacional humanitário”. Do lado de Ansar Alá, a resistência usou táticas de guerrilha e, a partir de 2018, intensificou ataques com drones e mísseis contra alvos sauditas, como o bombardeio à refinaria de Abqaiq, em 2019, que reduziu temporariamente a produção de petróleo saudita em 50%, segundo a agência de notícias Reuters.
A intervenção imperialista devastou o Iêmen. Até 2023, 21,6 milhões de pessoas – 80% da população – precisavam de ajuda humanitária, conforme a ONU. A fome atingiu níveis críticos: em 2021, o Programa Mundial de Alimentos alertou que 16 milhões de iemenitas enfrentavam insegurança alimentar severa.
Um relatório da Unicef de 2022 revelou que 2,2 milhões de crianças sofriam de desnutrição aguda. O porta-voz do Unicef no Iêmen, Mohammed al-Asaadi, afirmou: “as crianças estão morrendo de fome enquanto o mundo assiste. O bloqueio e os bombardeios são os principais responsáveis por essa tragédia”. Além disso, surtos de cólera infectaram mais de 2,5 milhões de pessoas entre 2017 e 2023, matando cerca de 4 mil, segundo a Organização Mundial da Saúde.
A guerra também expôs as contradições da coalizão. Em 2019, os Emirados Árabes Unidos reduziram sua participação, enquanto tensões entre sauditas e o governo de Hadi cresceram. Ansar Alá, por sua vez, consolidou o controle no norte, mantendo Saná e o porto de Hodeida, essencial para a entrada de ajuda humanitária.
Em 2022, um cessar-fogo mediado pela ONU trouxe alívio temporário, mas foi rompido meses depois. O líder de Ansar Alá, Abdul-Malik al-Houthi, declarou em 2023: “não descansaremos até que o Iêmen esteja livre de toda intervenção estrangeira”. A guerra, que completou uma década, segue sem solução, com a revolução iemenita resistindo à ofensiva imperialista.