Em um único dia, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu os votos dos dois últimos ministros do julgamento de Jair Bolsonaro (PL) e ainda determinou a pena de todos os supostos participantes do chamado “núcleo crucial” da “trama golpista”. O ex-presidente foi considerado líder de uma “organização criminosa” e condenado a 27 anos e três meses de prisão.
O resultado não surpreende. Bolsonaro já estava fatalmente condenado desde que a revista britânica The Economist publicou um artigo sobre o julgamento que estaria por vir. Ali, o grande capital já expressara com clareza sua posição: o regime político brasileiro deveria fazer aquilo que o regime norte-americano não conseguiu. Isto é, condenar o líder da extrema direita no País.
É verdade que a revista também faz ressalvas à atuação do STF. Essas mesmas ressalvas já surgiram em outras oportunidades. Elas, no entanto, não cumprem um papel de oposição ao plano geral da condenação. Apenas são uma forma de manter o julgamento sob controle, evitando que ele desencadeasse uma revolta de grandes proporções por parte dos bolsonaristas.
Os votos que melhor expressam o caráter da operação contra Bolsonaro são os dois primeiros, de Alexandre de Moraes e de Flávio Dino. Ao primeiro, foi incumbido o papel de relator — isto é, daquele que orienta a Corte em torno do que deve ser votado. Moraes acatou toda a denúncia apresentada pelo lavajatista Paulo Gonet, o procurador-geral da República, que acusa os réus de participarem de uma “trama golpista”.
Mas como a acusação de Gonet não apresenta provas, coube a Moraes fazer um discurso político, no qual o centro não eram os acontecimentos dos quais os réus teriam participado, mas sim a “democracia”. O ministro chegou até mesmo a falar sobre Dom Pedro I e sobre a revolução de 1930, tamanha a enrolação para apresentar o seu voto.
Dino seguiu Moraes, cumprindo seu papel de ajudante número 1 do ditador, complementando seu show com piadinhas como a de que o nome do suposto plano de assassinato era “Punhal Verde e Amarelo”, e não “Bíblia Verde e Amarela”.
O voto de Luiz Fux, por sua vez, surpreendeu. Já era sabido que o ministro iria procurar amenizar as acusações contra Bolsonaro, uma vez que ele foi o único a divergir de Moraes no julgamento que tornou o ex-presidente réu. No entanto, o ministro foi muito além desta vez.
Fux utilizou mais de 12 horas para apresentar seu voto, dominando por completo a sessão da última quarta-feira (10). O ministro acatou a maior parte das teses da defesa, contestando frontalmente os métodos de Moraes na condução do processo. Fux votou ainda pela absolvição de Jair Bolsonaro (PL), criando uma dissidência na Corte e estabelecendo a possibilidade, ainda que difícil, de que o julgamento seja reavaliado após a interposição de embargos infringentes.
Cármen Lúcia, ministra já antiga na Corte, votou pela condenação após Fux, aliando-se aos seus colegas Dino e Moraes na demagogia em defesa da “democracia”. Zanin, por sua vez, também votou a favor da condenação, ainda que tenha procurado se apresentar de maneira mais técnica.
A condenação de Bolsonaro trará uma série de consequências políticas e jurídicas.
Ela ajudará a consolidar, em primeiro lugar, um novo regime jurídico, no qual os direitos democráticos valem cada vez menos. O julgamento, afinal, reintroduz a figura da delação premiada, torna manifestações com ocupação de prédios um crime e ainda estabelece crimes abstratos como o de participar de uma “trama”. Esse novo regime será fundamental para que o imperialismo mantenha a sua dominação no próximo período, em que revoluções e contrarrevoluções irão ocorrer em todo o mundo.
O golpe também servirá aos propósitos eleitorais imediatos da burguesia. Com Bolsonaro condenado, a possibilidade de o ex-presidente concorrer se torna praticamente nula. Mas não se trata apenas disso: com a pena alta imposta ao líder da extrema direita, o grande capital agora ganha um forte instrumento de chantagem para forçá-lo a apoiar o seu próprio candidato.
Essa chantagem já pode ser vista abertamente. Em um vazamento recente, Eduardo Bolsonaro aparece nitidamente incomodado com o atual governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), revelando uma pressão para que o núcleo bolsonarista o apoie nas próximas eleições presidenciais. O próprio Tarcísio, nas últimas semanas, vem costurando acordos por uma anistia para Bolsonaro e se comprometeu publicamente em indultar o presidente.
A manobra em torno de Tarcísio de Freitas expressa as necessidades atuais do imperialismo, que se encontra em um momento de grande crise econômica e política. Diante de eventos como a iminente derrota da Ucrânia e o fracasso militar de “Israel” em Gaza, a América Latina inteira, que é o grande quintal dos Estados Unidos, precisa ser disciplinado em torno de seus interesses. Os navios de guerra posicionados na costa da Venezuela são um indicativo do que está por vir.
Nem Bolsonaro, nem tampouco Lula são presidentes adequados para cumprir as tarefas que o grande capital considera necessárias para o próximo período. Por isso, a manobra em torno de Tarcísio de Freitas.
A condenação de Bolsonaro é um golpe que visa pôr o País no trilho da política neoliberal mais selvagem e do alinhamento político com os planos militares do imperialismo.




