As recentes matérias na grande imprensa sobre a adulteração de bebidas, e eventuais mortes e sequelas de envenenamento por metanol, fez com a direita saísse rapidamente a campo pedindo mais punição e a elevação do delito à categoria de crime hediondo. É essa alinha que segue o editorial de O Globo, Expansão do mercado de bebidas falsificadas exige combate mais eficaz, publicado neste sábado (4).
Naturalmente, a preocupação desse jornal da burguesia não é apenas com a saúde dos consumidores, mas com o tamanho do mercado, como mostra o primeiro parágrafo do texto, que diz que “As mortes e internações sob suspeita de intoxicação por metanol expõem o descalabro das fábricas clandestinas que produzem bebidas alcoólicas adulteradas. Entre 2020 e 2024, a quantidade de indústrias ilegais interditadas por autoridades saltou de 12 para 80, segundo a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), como mostrou reportagem do GLOBO. É como se uma fosse fechada a cada cinco dias. Empresas do setor calculam que 36% dos destilados vendidos no Brasil são adulterados. O faturamento dos grupos criminosos é estimado em R$ 62 bilhões por ano, um mercado pujante”.
A burguesia está de olho nesses bilhões que estão indo para outras mãos. A grande imprensa, no entanto, não demonstra indignação com a falsificação que inundam as prateleiras dos supermercados. Embalagens produtos com nome de iogurte, embalagem, cheiro e sabor de iogurte, são, na verdade, uma coisa chamada “bebida láctea”.
O mesmo se pode dizer do tradicional requeijão cremoso, que se o pobre consumidor não prestar atenção, vai acabar comprando um mingau aromatizado.
As reclamações da qualidade e quantidade nas embalagens de chocolate não param de crescer. O mesmo se pode dize do azeite. A lista é gigantesca. Nada disso é tratado como adulteração ou crime.
A onda de fraude nas embalagens ganhou força durante o governo neoliberal de FHC que congelou os salários e fingiu congelar os preços dos produtos. Rapidamente, um litro de óleo passou a ter 900 ml, apesar de o preço seguir o mesmo. As embalagens de 500 gr de leite em pó desceram para 400 gr, e assim sucessivamente. Depois, os preços subiram e as quantidades continuaram reduzidas, constituindo uma carga brutal sobre o salário do trabalhador.
Clandestinidade
Segundo o editorial, “a despeito das sucessivas interdições, a produção clandestina continua a crescer. Entre 2016 e 2022, a quantidade de litros fabricados irregularmente dobrou para 256 milhões, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Como as apreensões de bebidas contrabandeadas têm caído, é razoável supor que os criminosos têm preferido produzi-las no Brasil. Relatórios da ABCF e do FBSP vinculam a falsificação ao crime organizado, embora ainda haja dúvida sobre os casos recentes”.
A quantidade de litros dobrou de produção porque a população, com os baixos rendimentos, acabam procurando os preços mais baixos. Essa realidade o editorial evita comentar, prefere dizer que existe uma ligação com o crime organizado.
Em seguida, o próprio jornal é obrigado a reconhecer que “não se pode dizer que a expansão resulte de falta de fiscalização, mas as interdições não têm conseguido resolver o problema. É preciso que o comércio, onde são vendidos os produtos falsificados, esteja atento. Mais do que nunca, é fundamental comprar bebidas de fornecedores idôneos. Se há produção em massa de bebidas adulteradas, é porque os criminosos encontram mercado para escoá-las” – grifo nosso.
Exatamente, existe mercado, e é inútil dizer que os comércios precisam estar mais atentos. Primeiro, não é atribuição deles fiscalizar; segundo, os comerciantes também estão em busca de preços baixos para aumentarem seus rendimentos.
Lei seca?
O editorial reporta que “na quinta-feira, a Câmara aprovou urgência para um Projeto de Lei que endurece a punição para o crime de falsificação de bebidas e alimentos. Ele repousava na Comissão de Constituição e Justiça desde 2007. Pelo PL, essa prática passaria a ser crime hediondo. A pena, de quatro a oito anos de reclusão, aumentaria para seis a 12 anos. É medida bem-intencionada, mas apenas mudar a legislação não terá o condão de evitar os envenenamentos. Quando a pena é aplicada, o crime já foi cometido”.
É de espantar a velocidade com que a Câmara desengavetou um projeto que aumentaria a pena de falsificação de alimentos e bebidas para até 12 anos de prisão, mais grave que um homicídio simples.
O que O Globo propõe é uma verdadeira “guerra ao crime”, medida que historicamente apenas aumentou a violência, como a Lei Seca nos Estados Unidos, que estimulou a falsificação e o contrabando e bebidas e fortaleceu o crime organizado. Não teria existido um Al Capone sem que o Estado tivesse decretado leis abusivas.
Com isso, o jornal golpista finaliza dizendo que “os casos suspeitos já se contam às dezenas. Há investigações pelo menos em São Paulo, Pernambuco, Bahia, Distrito Federal, Paraná e Mato Grosso do Sul. Em meio ao clamor popular, a fiscalização e o fechamento de fábricas clandestinas têm sido intensificados, mas ainda não se conhece a dimensão da tragédia, tampouco sua origem. A população continua exposta a enorme risco. É urgente que esse mercado letal seja combatido e eliminado”.
É de se notar que o jornal peça tanta repressão se baseando em suspeitas e com investigações em curso, mas a burguesia não perde tempo quando é para punir, atitude que a esquerda pequeno-burguesa não cansa de imitar.
O jornal mente ao dizer que existe um “clamor popular”. Quem criou a comoção foi o aumento repentino de notícias, que criam uma sensação de medo e insegurança. Uma tática antiga, a de se utilizar o medo para a aprovação de leis draconianas.




