Coletivo Psis

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Coluna

Freud, um judeu não sionista

Apresentamos uma tradução direta do manuscrito da carta do criador da psicanálise.

Apresentamos uma tradução direta do manuscrito da carta do criador da psicanálise, a respeito de um convite a apoiar o projeto sionista.

A tradução a seguir foi realizada pelo Coletivo Psis dos Comitês de Luta. Trata-se de uma carta de 26 de fevereiro de 1930, de Sigmund Freud para Chaim Koffler, respondendo ao pedido deste para que Freud desse uma manifestação de apoio a causa sionista. Chaim Koffler era membro do Keren Hayessod, uma organização que angariava recursos para financiar a migração judia para a Palestina.

 

Carta de Freud a Koffler, de 1930 [i]

(Tradução pelo Coletivo Psis dos Comitês de Luta e do PCO)

Prof. Dr. Freud                                                                                                                               26.2.1930

Viena IX, Berggasse 19

Muito honrado Doutor

Eu não posso fazer o que o Senhor deseja. A minha aversão de ocupar o público com a minha pessoa é insuperável, e o atual momento crítico nem sequer me parece apropriado para isto. Quem quer influenciar uma multidão precisa ter o que lhe dizer de plenamente sonoro, de entusiástico, e isto, o meu julgamento sóbrio do sionismo não permite, por cujas ambições eu tenho, com certeza, as melhores simpatias. Me orgulho da nossa universidade em Jerusalém e me alegro com o desenvolvimento dos nossos assentamentos. Mas do outro lado, não acredito que a Palestina possa jamais virar um Estado judeu e que os mundos cristão e islâmico jamais consentirão em entregar os seus santuários aos cuidados judeus. Teria-me parecido mais sensato fundar uma pátria judia num solo não hipotecado historicamente; embora eu saiba que para um projeto assim razoável nunca se teria ganhado o entusiasmo das massas e a cumplicidade dos ricos. Também admito com pesar que o fanatismo irrealista dos nossos companheiros nacionais tem seu pedaço de culpa no despertar da desconfiança dos árabes. Nenhuma simpatia mesmo consigo desenvolver pela piedade mal entendida que de um pedaço do muro de Herodes faz uma relíquia nacional e por ela provoca os sentimentos dos habitantes enraizados.

Julgue o Senhor mesmo se eu, com uma atitude tão crítica, sou a pessoa certa para entrar em cena como consolador de um povo abalado na sua esperança injustificada.

Com alta e distinta estima,

seu dedicado

Freud

 

 

Observações preliminares dos tradutores

A tradução da carta que Sigmund Freud dirigiu a Chaim Koffler, representante do Keren Hayessod (Organização para coletar doações em favor da migração judia para Palestina) em Viena, do 26 fevereiro de 1930, em resposta ao pedido deste para que Freud declare seu apoio ao sionismo. O pedido provavelmente foi motivado, neste momento, pelos protestos violentos de 1929 da população palestina. Chama a atenção que o original, em alemão, é de difícil leitura. As linhas irregulares e muito próximas umas das outras parecem escritas depressa e sem cuidado estético. Além disso, a caligrafia é de tipo alemão antigo.[ii] Ao mesmo tempo, o estilo da redação é extremamente formal, beirando a ironia. Visto que Freud variava bastante o estilo das suas cartas, conforme os destinatários, é possível entender que, com a presente carta, ele estava querendo marcar distância. Os termos da carta parecem cuidadosamente escolhidos e alguns deles com um toque além do sentido direto, crítico e talvez mesmo sarcástico. A carta foi passada, pelo seu destinatário, a Abraham Schwadron em Jerusalém que prometeu escondê-la para sempre[iii]. Mas ela terminou na biblioteca da Universidade de Jerusalém onde foi exposta e publicada em 1973, com a tradução inglesa seguindo em 1978[iv]. Outras traduções apareceram bem mais tarde. Note-se também a possibilidade de que Freud dirigiu partes da mesma carta, na mesma data, a Albert Einstein como resposta a um pedido igual aquele de Koffler[v].

Para acompanhar mais sobre a relação de Freud com o sionismo, e o projeto imperialista de colonização da Palestina acompanhe o programa do Coletivo Psis no YouTube, com uma conversa entre o Coletivo, Pedro Lima Vasconcellos, historiador e professor da Universidade Federal de Alagoas e Rui Costa Pimenta, presidente do Partido da Causa Operária, no dia 07 de abril às 18h.

[i]               Freudiana. From the collections of the Jewish National and University Library, exhibited in the Berman Hall of the Library, March 28 – April 13th, 1973, citado por: Chemouni, Jacquy (2005). Freud era sionista? L’ospite ingrato, Anno Ottavo, No. 2, pp. 105-117. O catálogo da exposição foi compilado e publicado eletrônicamente por Reuben Klingsberg, Jerusalém, 1973, com o título da capa “Sigmund Freud”.

[ii]          Leitura tão difícil que numa versão datilografada anônima, publicada junto com um fac-símile do original (Roudinesco, Élisabeth. À propos d’une lettre inédite de Freud sur le sionisme et la question des lieux saints. Cliniques méditerranéennes 2004 (N° 70), pp. 5-17), uma palavra saio errada, com referência ao sionismo: “Seine Bestrebungen” (“suas ambições”) virou “freie Bestrebungen” (“ambições livres”).

[iii]             O fac-símile do original mostra uma nota acrescentada em hebreu, a lápis, para “não mostrá-la a estranhos” (Oranim, Ro, 2019, https://blog.nli.org.il/en/freud_on_zionism/. Copiado 02.4.2025). Roudinesco, em 2004, publicou o fac-símile sem esta nota (ver em cima, nota (ii)).

[iv]            Falk, Avner (1978). Freud and Herzl. Contemporary Psychoanalysis. Vol. 14, No. 3, pp. 357 – 387)

[v]             Gay, Peter (1989) Freud: Uma vida para nosso tempo. São Paulo, Companhia de Letras, p. 541. Jacquy Chemouni (ver em cima, nota (1) acha um erro de Gay, pois na fonte por ele indicada ela não se encontra.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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