Eleições alemães

‘Frente democrática’ levou à vitória da extrema direita

Na Europa e na América do Sul, tal arranjo só serviu para desmoralizar a esquerda

O deputado federal Orlando Silva e a ex-deputada federal Manuela d’Ávila, ambos do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), fizeram comentários sobre as eleições alemãs do último dia 23 no artigo A eleição na Alemanha para além da extrema-direita, publicado no portal direitista Poder 360, usando o resultado para propor uma solução mágica contra o avanço da extrema direita, que lá, com o partido Alternativa para a Alemanha (AfD na sigla germânica), conquistou 20,8% dos votos. Diante do fenômeno, os políticos questionam “como combinar o esforço de construção de uma frente democrática –essencial para barrar o fascismo– sem se submeter ao conservadorismo econômico, que dificulta a atenção às demandas mais prementes da população?”

Um debate realmente necessário, especialmente à luz do fato de o colapso do SPD na Alemanha mostra o oposto do que eles defendem: a “frente democrática” proposta não só falha em frear a extrema direita como a fortalece, entregando as massas aos conservadores e desmoralizando a esquerda. O SPD, outrora símbolo da social-democracia, é o elefante na sala que os autores convenientemente ignoram em sua argumentação, embora seja decisivo para vermos como a proposta dos políticos pequeno-burgueses evolui no mundo real.

Por décadas, o partido apostou em “frentes democráticas” com a direita tradicional, como a CDU/CSU, em grandes coalizões. A confiança do imperialismo no partido é tamanha que o ainda chanceler Olaf Scholz chegou a ser ministro das Finanças do governo anterior, da conservadora Angela Merkel, além de ser seu vice-primeiro-ministro.

Sob Olaf Scholz, até 2025, o SPD abraçou o imperialismo de maneira despudorada, defendendo a OTAN, a austeridade e uma repressão bárbara ao movimento pró-Palestina — com prisões em massa e censura. Essa política corroeu completamente sua base, forçando eleições antecipadas, com apenas três anos de governo, levando a agremiação à sua pior derrota desde 1933, quando os nazistas venceram com maioria relativa. Com apenas 16,4% dos votos (8,1 milhões), o SPD abriu caminho para a CDU voltar à chancelaria (28,5%, 14 milhões), mas, pior do que isso, impulsionou a AfD, que saltou para 152 cadeiras com 10 milhões de sufrágios. Eis o resultado real da “frente democrática” de Silva e d’Ávila.

Na França, Jean-Luc Mélenchon seguiu essa receita com o França Insubmissa, aliando-se a moderados contra Marine Le Pen. O que conseguiu? Dar uma sobrevida ao moribundo governo Macron, que devolveu o favor com um golpe de mão contra o partido esquerdista, impedindo-o de indicar o chefe de governo, que terminou sendo um direitista do Partido Republicano, mas próximo à extrema direita francesa, representada pelo partido Reagrupamento Nacional.

 

A “frente democrática” não freou o fascismo; entregou o eleitorado a ele. O problema é o mesmo que o SPD encarou: aliar-se à direita tradicional, ligada ao imperialismo, significa ceder às suas regras — e o povo pagar o preço enquanto a esquerda afunda.

No Brasil, o governo Lula repete o erro, e as consequências já aparecem por todos os lados. A “frente democrática” uniu PT, PCdoB, PSOL e a direita tradicional contra Bolsonaro. Quem manda, porém, são os “aliados” imperialistas, com seu controle sobre bancos, imprensa e o Judiciário reacionário.

A política econômica de Haddad, conservadora por natureza, prioriza os banqueiros e abandona os trabalhadores, a verdadeira base de Lula. Consequência disso, a aprovação do governo despenca e a extrema direita avança. As eleições municipais de 2024 já mostraram o bolsonarismo dominou as capitais do Centro-Sul, de São Paulo a Porto Alegre, enquanto a esquerda patina em acordos com quem a sabota.

Da Argentina, o “sucesso” dessa política é praticamente um aviso em letras garrafais. O peronismo fez sua “frente democrática”, unindo o kirchnerismo à direita peronista representada pelo ex-presidente Alberto Fernández contra a direita macronista, mas a esquerda cedeu tanto que a economia ruiu: inflação disparou e a pobreza explodiu. O povo, sem respostas, abraçou nada menos que Javier Milei, um fascista que hoje destroça o país com aplausos dos banqueiros.

Na Alemanha, o SPD seguiu o mesmo caminho: sua “frente democrática” — com toda a repressão brutal aos atos pró-Palestina — desmoralizou o partido, devolveu o poder à CDU por margem estreita e catapultou a AfD de um partido marginal à segunda força do Bundestag. A política de alianças não barrou o fascismo; abriu a porta para ele.

O que Silva e d’Ávila defendem é uma fantasia que repete o fracasso do SPD. Querem uma “frente democrática” sem conservadorismo econômico? É como pedir ao fogo para não queimar. A direita tradicional, representante dos monopólios internacionais e enraizada na burocracia, jamais permitirá políticas que desafiem seus lucros. Essa aliança não enfrenta a extrema direita; entrega-lhe o debate e o eleitorado em crise. O SPD provou isso: sua desmoralização beneficiou os conservadores e turbinou a AfD. Aqui, o governo Lula segue o mesmo trilho, preso a um pacto que o paralisa.

As eleições alemãs gritam o que a esquerda brasileira se recusa a ouvir: a “frente democrática” do SPD, com sua repressão e subserviência ao imperialismo, não só perdeu o povo como preparou a volta da CDU e o salto da AfD. Na Argentina, o peronismo caiu na mesma armadilha e pariu Milei. No Brasil, essa política já mostra frutos podres: a extrema direita domina as cidades-chave, e o governo, sem rumo, afunda.

Silva e d’Ávila defendem a tática derrotista que desmoraliza a esquerda e pavimenta um regime de extrema direita — o oposto do que dizem querer. Em vez de se manter nesse rumo onde o fracasso é certo, Lula precisa romper com essa “frente democrática” (que finalmente, de democrática não tem nada), mobilizar o povo contra os monopólios e a burocracia (em especial o Judiciário), e mudar a condução da economia, para atender os trabalhadores. A força da esquerda está nas ruas, não em acordos com banqueiros.

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