No dia 11 de abril, a Polícia Federal (PF), em parceria com o Birô de Investigação Federal dos Estados Unidos (FBI), executou um mandado de busca e apreensão contra um homem não identificado na cidade de Pocinhos, no Agreste da Paraíba. A notícia foi veiculada no dia seguinte por este Diário, que informou que o objetivo da operação, segundo a própria PF, seria o de reprimir “atos preparatórios de terrorismo” e a “incitação ao ódio praticados no ambiente digital”. Durante a operação, foram apreendidos celulares e dispositivos de armazenamento de dados.
Após o fechamento de nossa edição de 12 de abril, recebemos novas informações importantes sobre o caso.
O portal G1 informou que o homem investigado é um estudante de 19 anos, matriculado no curso de Biologia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), em Campina Grande.
O jornal Metrópoles reiterou que a investigação partiu dos Estados Unidos e que “o material encaminhado pelo FBI apontou discursos de ódio explícitos, referências a ideologias extremistas e indícios de predisposição do investigado à prática de atos violentos”. Isto é, o mandado de busca e apreensão foi motivado simplesmente por causa daquilo que supostamente o homem teria expressado. A expressão “indícios de predisposição do investigado à prática de atos violentos” é certamente o que há de mais aberrante no relatório do jornal brasiliense. O que seria uma “predisposição” a “prática de atos violentos”? E o que seriam “indícios” desta predisposição?
O caso mostra que o regime brasileiro é o oposto de qualquer ideia de um Estado democrático de direito. Investigar alguém por causa da “predisposição” a práticas criminosas é um atentado a qualquer liberdade democrática. É o que ocorre, por exemplo, nas favelas brasileiras, quando a Polícia Militar (PM) tortura, prende e executa em massa a população pobre. Para a polícia, um negro tatuado tem “predisposição” a ser um homicida e um adolescente sem camisa tem “predisposição” a ser um traficante. A tese da predisposição é também muito bem-vinda nos regimes supremacistas. Afinal, para o Estado de “Israel”, falar árabe é uma “predisposição” a ser um “terrorista”.
Ao instituir o crime de ter uma “predisposição”, a Lei se torna completamente subjetiva. Como discutir, em um tribunal, a “predisposição” de alguém? O direito penal se baseia no princípio de que apenas ações concretas e objetivas podem ser punidas, e não pensamentos, intenções ou atitudes que não chegaram a transgredir a lei.
A prática de reprimir as pessoas com base na sua suposta “predisposição” já foi, inclusive, tema de filmes. O mais conhecido deles é Minority Report, de Steven Spielberg. No filme de ficção, um sistema de justiça preventiva é implantado, baseado nas previsões de “precogs“, seres humanos com habilidades psíquicas que conseguem antecipar crimes antes que aconteçam. A polícia, então, prende indivíduos com base nas intenções, não nas ações, levando à captura de pessoas que ainda não cometeram nenhum crime. A trama segue John Anderton (Tom Cruise), um oficial da polícia que, ao ser acusado de cometer um crime futuro, começa a questionar a validade de um sistema que pode condenar alguém apenas com base em suposições.
As demais expressões contidas na citação do jornal Metrópoles também merecem uma maior análise. Por que “referências a ideologias extremistas”, seja lá o que isso for, deveriam dar motivo a alguém para ser investigado? No fundo, é o mesmo método totalitário de investigação contra alguém por causa de sua “predisposição” — a diferença é que, aqui, o aspecto ideológico aparece de maneira clara.
O que a PF sugere é que algumas ideologias poderiam justificar o uso da violência. Mesmo que isso fosse verdade, tais ideologias precisariam ser claramente definidas em uma lei. Se não há uma legislação que as classifique, a distinção entre uma ideologia “violenta” e uma “pacífica” ficaria a critério dos delegados da Polícia Federal — ou, mais precisamente, dos burocratas do FBI. Ou seja, qualquer ideologia que não seja a deles poderia ser rotulada como “violenta”.
Independentemente de haver ou não uma lei que defina ideologias “violentas” — o que em si já seria um absurdo — a própria ideia de permitir essa distinção é essencialmente fascista. Trata-se da concepção de que é possível reprimir uma ideologia, de que as pessoas devem ser proibidas de pensar aquilo que não é conveniente para o FBI, para o Judiciário, para a PF — isto é, para o regime político de conjunto.
Cabe, então, a pergunta: o que seria uma “ideologia extremista” para a Polícia Federal? Neste momento, provavelmente, a instituição irá procurar apresentá-la como o nazismo, que é uma ideologia muito impopular devido aos crimes praticados na Segunda Guerra Mundial e devido à propaganda hipócrita do imperialismo, que explorou estes crimes com o objetivo de criar uma cobertura para a sua própria atividade criminosa. No entanto, considerando que a Polícia Federal, conforme sua subserviência ao FBI demonstra, é uma sucursal do Estado norte-americano, o comunismo e o antissionismo é que são as ideologias que serão realmente combatidas.
Não é preciso um exercício de futurologia para comprovar isso. A perseguição à esquerda anti-imperialista e àqueles que se opõem ao Estado de “Israel” já está acontecendo. Pessoas como Breno Altman foram condenadas por criticar publicamente o genocídio na Faixa de Gaza. O Partido da Causa Operária (PCO), por sua vez, está sob risco de cassação e enfrenta processos criminais que poderão levar à prisão de seus dirigentes.
O jornal Metrópoles também divulgou um vídeo atribuído ao homem investigado. Nele, aparece um adesivo com o símbolo do comunismo e do “antifascismo” riscados. A imagem, em si, não contém crime algum. A Lei brasileira apenas proíbe a divulgação de símbolos nazistas — e tão-somente.
Nesses processos, a figura do “discurso do ódio”, citado pelo Metrópoles, aparece frequentemente. E aparece também nos processos movidos pela Confederação Israelita do Brasil (Conib), que atua como uma espécie de gabinete do Mossad no Brasil para monitorar as atividades hostis ao Estado de “Israel”. A mesma Conib também utiliza, com frequência, o termo “extremismo” para se referir às ações de libertação nacional da Resistência Palestina.
Outro trecho de artigo publicado pelo Metrópoles também chama muito a atenção:
“As mensagens monitoradas indicavam, segundo os agentes, alinhamento com correntes de intolerância que fomentam ataques de motivação racial.”
O termo “mensagens monitoradas” indica que o homem está sendo investigado não por aquilo que expressou publicamente, mas sobretudo pela sua comunicação privada, o que torna o caso ainda mais abusivo. Abrir uma investigação porque alguém faz uma publicação em sua rede social já é, em si, uma medida ditatorial. Investigá-lo por que enviou uma mensagem, no entanto, é uma medida ainda mais criminosa.
É preciso sublinhar que o homem foi monitorado não pelo Estado brasileiro — o que já seria ilegal —, mas pelo Estado norte-americano. E se o Estado norte-americano está monitorando mensagens de um homem no interior da Paraíba, será que não está monitorando os partidos políticos e lideranças que possuam uma grande influência sobre a população?
A questão da motivação racial também merece destaque. Nos últimos meses, a questão do racismo, embora tenha sido alvo de muitas publicações editoriais, não resultou em condenações contra pessoas que tenham de fato discriminado negros, que são o setor racial mais oprimido da sociedade brasileira. No entanto, muitas pessoas, incluindo Breno Altman e dirigentes do PCO, têm sido alvo de investigações de racismo por causa de suas críticas a “Israel”.
Em nota, a Polícia Federal ainda afirma que:
“O foco da operação é prevenir ações extremistas que representem ameaça à integridade das instituições e à convivência democrática.”
Não é por acaso. A defesa das instituições do Estado — isto é, as mesmas instituições que perseguem os brasileiros — tem sido evocada para demolir os direitos democráticos do povo. Esta é a mesma política da Itália fascista e da Alemanha nazista, pois classifica como inimigo todo aquele que se oponha aos crimes cometidos pelo Estado.
Uma informação veiculada pelo jornal Folha de S.Paulo também chama muito a atenção. Diz o órgão:
“A PF recebeu fotos em redes sociais do universitário alvo da operação com conteúdo extremista e pichações com frases racistas e ameaças na universidade. De acordo com fontes da investigação, estudantes estavam com medo de circular na faculdade devido a presença do suspeito no local.”
Tudo na investigação é bastante nebuloso — não se sabe quem é o investigado, que mensagem exatamente ele teria enviado, que pichações ele teria feito e o que mais levou o FBI a suspeitar que ele estaria preparando um ataque violento. Da mesma forma, é esta informação sobre os estudantes. Quantos estudantes seriam estes? O que eles disseram? Por que estavam com medo?
Esta informação é relevante porque uma denúncia anônima de um único estudante pode servir de pretexto para que a Polícia Federal realize operações dentro das universidades, aumentando ainda mais a espionagem em um dos locais tradicionais de organização da esquerda e dos movimentos de luta.
No início de abril, um artigo publicado no jornal Metrópoles informou que a Universidade de Brasília (UnB) havia cancelado as aulas a partir da alegação de que haveria um ataque de pessoas ligadas à extrema direita.
“O Metrópoles teve acesso a mensagens trocadas por meio de um aplicativo e, em uma delas, o remetente disse que pretendia ir à Universidade de Brasília (UnB), nesta sexta-feira (4/4), para agredir ‘comunistas’. As conversas, porém, não especificam quem seriam esses alvos. […] O clima de tensão levou alguns setores da UnB a suspender as atividades administrativas e acadêmicas.”
Em resposta, a Reitoria da Universidade de Brasília divulgou que realizaria uma ação integrada com os órgãos de Segurança Pública do Distrito Federal e com a Polícia Federal, abrindo as portas para as instituições comandadas pelo Estado norte-americano.