A luta do povo palestino por sua libertação nacional forjou, ao longo do século XX, grandes figuras que dedicaram suas vidas à causa revolucionária da Palestina. Entre elas está o militante, diplomata e intelectual Ezzedine Kalak, cuja trajetória, profundamente marcada pelo exílio, pela militância comunista e pela construção política da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) na Europa, tornou-se referência na resistência nacional contra o imperialismo e o sionismo.
Nascido em 1936 na cidade palestina de Haifa, Kalak era filho de Mohammad Said Kalak e Fatima Mahmoud al-Yahya. Foi batizado com o nome de Ezzedine em homenagem a um dos primeiros mártires da luta armada palestina, o xeque Ezzeddin al-Qassam, responsável por acender a Grande Revolta Palestina de 1936 a 1939 contra a colonização britânica e a invasão sionista.
A infância de Kalak foi interrompida pela Nakba, a catástrofe de 1948, quando os sionistas, com apoio direto do imperialismo, expulsaram mais de 750 mil palestinos de suas terras. A família Kalak foi forçada ao exílio, estabelecendo-se em Damasco, capital da Síria. Lá, Ezzedine deu continuidade aos estudos, primeiro na escola Ibn Khaldun, depois na escola secundária al-Midan, até concluir o baccalauréat com ênfase em ciências. Ingressou então na Faculdade de Ciências da Universidade de Damasco, onde estabeleceu contato com figuras de destaque do meio intelectual árabe, como o crítico de cinema Said Murad e o escritor Shawqi Baghdadi. Participou ativamente do grupo literário Wahi al-Qalam (“Inspiração da Pena”) e se destacou por seu interesse em teatro, música e artes visuais. Publicou contos em jornais sírios e traduções de autores norte-americanos e chineses.
Durante o período universitário, aproximou-se do Partido Comunista Sírio. Sua militância revolucionária o levou à prisão pelas autoridades da chamada República Árabe Unida — unidade forçada entre Egito e Síria que reprimiu duramente os comunistas. Kalak passou três anos encarcerado na prisão de Mezzeh (1959–1961). Libertado, concluiu sua formação em Química em 1963 e se mudou para a Arábia Saudita, onde trabalhou como professor de ciências por dois anos.
Em 1965, fixou-se na França para estudos de pós-graduação. Aprendeu francês nas cidades de Rennes e Poitiers e, posteriormente, obteve um doutorado em físico-química pela Universidade de Poitiers. Foi nesse período que sua atuação política se aprofundou: aderiu à organização Fatah, principal corrente da OLP, e tornou-se presidente da seção francesa da União Geral dos Estudantes Palestinos (UGEP), organização de vanguarda da juventude palestina na diáspora.
A militância de Kalak ganhou dimensão nacional na França. Organizou debates, palestras, teach-ins, boletins e outras atividades que expunham ao público francês o caráter legítimo da luta de libertação palestina e denunciavam o papel do sionismo como braço colonial do imperialismo no Oriente Médio. Sua atuação pública, combativa e incansável, despertou o ódio das organizações sionistas estabelecidas na França, que passaram a atacá-lo sistematicamente.
Estabelecido em Paris, trabalhou por um período na rádio Monte Carlo, onde preparava e traduzia boletins de notícias. Em 1970, colaborou com militantes do Magreb e do Levante na criação do comitê de solidariedade à resistência palestina e da revista Fidaʾi (“Combatente”). Também trabalhou diretamente com Mahmoud al-Hamshari, então representante da OLP na França, para ampliar a presença política da causa palestina na cena pública francesa, sobretudo entre os setores da esquerda.
Com o assassinato de Hamshari pelos serviços secretos de “Israel” em 1972, Kalak assumiu, em setembro de 1973, o posto de representante oficial da OLP na França — ainda sem reconhecimento pleno por parte do governo francês. Atuou como diplomata, articulador político e dirigente da propaganda revolucionária da Palestina. Com forte presença na cena política da esquerda francesa, Kalak consolidou uma rede de solidariedade entre intelectuais, sindicatos e partidos progressistas. Seu domínio do francês e do inglês contribuiu para que a luta do povo palestino furasse o cerco da imprensa sionista, hegemônica na França da época.
Em 1975, o governo francês autorizou a abertura de um escritório oficial de informação e ligação da OLP. Kalak instalou-o dentro da sede da Liga Árabe, no boulevard Haussmann. O local tornou-se um verdadeiro centro político de articulação da resistência palestina na Europa, recebendo militantes, intelectuais e representantes de diversos países.
Kalak participou de diversas conferências internacionais, com destaque para a reunião da União Interparlamentar em Madri, onde integrou a delegação palestina que se reuniu com o rei Juan Carlos da Espanha. O resultado foi a autorização para a abertura de um escritório da OLP em Madri. Em 1978, Kalak tornou-se o primeiro representante palestino a ser oficialmente recebido no Palácio do Eliseu, em cerimônia oferecida pelo presidente francês Valéry Giscard d’Estaing ao rei Khalid da Arábia Saudita.
Apesar da intensa atividade política e diplomática, Kalak manteve seu compromisso com a cultura. Matriculou-se como ouvinte na École Pratique des Hautes Études e passou a colecionar selos, cartões postais e cartazes palestinos, com o objetivo de preservar a memória cultural de seu povo. Fundou ainda o setor de cinema palestino dentro do escritório da OLP em Paris e atraiu jovens cineastas franceses engajados, como o coletivo Vincennes, que realizou um documentário em sua homenagem logo após seu assassinato.
Ezzedine Kalak foi covardemente assassinado em 3 de agosto de 1978, junto com seu assistente Adnan Hammad, dentro do escritório da OLP. O atentado foi atribuído à organização Fatah – Conselho Revolucionário, dirigida por Sabri al-Banna (Abu Nidal), um grupo dissidente financiado por interesses obscuros para atacar a direção majoritária da resistência palestina. Os autores do crime foram presos pela polícia francesa e condenados a 15 anos de prisão, mas foram libertados após cumprir metade da pena.
O assassinato de Kalak gerou repercussão internacional. O próprio Ministério das Relações Exteriores da França emitiu uma nota afirmando que Kalak sempre atuou para estabelecer um “diálogo construtivo com as autoridades francesas”. Jornais franceses elogiaram seu papel e milhares de pessoas — francesas, árabes e demais simpatizantes da causa palestina — prestaram homenagem ao militante na Grande Mesquita de Paris. Seu corpo foi trasladado a Damasco, onde foi enterrado com honras no cemitério dos mártires do campo de refugiados de Yarmouk. Iasser Arafat, dirigente máximo da OLP, pronunciou seu discurso fúnebre.
A morte de Kalak foi uma perda imensa para a resistência palestina. A OLP perdia um quadro político excepcional, um diplomata talentoso, um intelectual comprometido e um verdadeiro combatente da causa nacional. Kalak, ao lado de Hamshari, foi responsável por construir os primeiros alicerces da ação política e da comunicação da Palestina revolucionária na França. Seu legado é um testemunho de dedicação militante, internacionalismo e amor pela causa de seu povo — valores imprescindíveis para todos os que lutam contra o imperialismo e pelo direito inalienável dos povos à autodeterminação.