Política

Exclusivo: leia a defesa de Bolsonaro na íntegra

Bolsonaro está sendo julgado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal nesta terça-feira (25)

Por volta das 9h30, teve início o julgamento do processo-farsa contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete aliados. O julgamento foi aberto pelo presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin.

Em uma fala técnica e detalhada, Celso Sanchez Vilardi, um dos advogados de Bolsonaro, destacou a falta de provas concretas que justifiquem a denúncia e questionou a coerência da investigação conduzida até o momento.

O advogado iniciou sua exposição afirmando que Bolsonaro foi o presidente mais investigado da história do Brasil, enfrentando um processo que começou em 2021 e se desdobrou em múltiplas frentes. Segundo a defesa, a origem da investigação remonta a uma live realizada em 4 de agosto de 2021, cuja quebra de sigilo digital do então ajudante de ordens, coronel Mauro Cid, desencadeou uma série de procedimentos investigativos. Contudo, mesmo após meses de diligências, que incluíram buscas e apreensões e o acesso a dados armazenados em nuvem, nada foi encontrado que comprometesse diretamente Bolsonaro. A sustentação também reforçou que a acusação se baseia exclusivamente na palavra do delator, sem apresentar qualquer prova material que corrobore as alegações.

Vilardi também apresentou uma contradição fundamental na denúncia: a acusação de crime contra o governo legitimamente eleito teria começado em dezembro de 2021, mas, naquele momento, o próprio governo de Bolsonaro ainda era o governo legitimamente eleito. A Defesa argumentou que é juridicamente impossível acusar o presidente de atentar contra o próprio mandato, uma vez que as eleições que elegeram seu sucessor ocorreram apenas no final de 2022.

Outro ponto levantado foi a tentativa da PGR de imputar crime por meio de pronunciamentos públicos e lives, atos que não configuram violência ou grave ameaça — requisitos essenciais para os tipos penais em questão. A Defesa enfatizou que tais manifestações não podem ser interpretadas como execução de crime, pois carecem de qualquer elemento que indique ação violenta ou intimidação direta.

A defesa também criticou a fragilidade das provas apresentadas, ressaltando que nem mesmo a Polícia Federal, ao investigar os eventos de 8 de janeiro, conseguiu estabelecer vínculo entre Bolsonaro e os atos violentos ocorridos na data. Segundo o advogado, mesmo com mais de 90 citações de termos como “possivelmente” nos relatórios policiais, nenhuma prova foi encontrada que relacione o ex-presidente diretamente aos acontecimentos.

O advogado também contestou o volume desordenado de documentos anexados pela PGR ao processo — 45 mil arquivos distribuídos em oito petições, liberadas no mesmo dia da apresentação da denúncia. Segundo o advogado, a defesa foi notificada apenas no dia seguinte e já começou a contar o prazo para manifestação, dificultando o acesso e a compreensão dos elementos acusatórios.

A defesa também chamou atenção para a fragilidade das provas apresentadas. Segundo o advogado, a acusação baseia-se em uma “prova negativa”, ou seja, na ausência de elementos concretos que comprovem a participação direta de Bolsonaro nos atos alegados.

Vilardi também alegou que o acordo de delação foi violado e que houve inversão do processo probatório, comprometendo a integridade da acusação. O advogado argumentou que houve um rompimento do acordo de delação quando o conteúdo das declarações de Cid foi vazado para a imprensa, especialmente para a revista Veja. Segundo o advogado, a divulgação não deveria ter ocorrido, e a responsabilidade pelo vazamento deveria recair sobre o próprio delator, já que o contrato de colaboração premiada proíbe qualquer tipo de comunicação sobre os fatos, mesmo com familiares próximos.

Além disso, a defesa ressaltou que a própria Polícia Federal apontou contradições e omissões nas declarações de Mauro Cid, destacando que o delator teria mentido em algumas ocasiões. Isso compromete a credibilidade da delação, que, segundo entendimento consolidado pelo STF, não constitui prova por si só, mas sim um meio que requer corroboração por outras evidências objetivas.

O advogado criticou a forma como a investigação foi conduzida, alegando que o Estado não buscou provas para corroborar as declarações do delator, mas sim trouxe indícios e, a partir deles, conduziu Cid a ajustar seu depoimento às suspeitas já levantadas. Para a Defesa, essa inversão do ônus probatório fere os princípios fundamentais do processo penal, uma vez que o correto seria o Estado comprovar as acusações e não o delator moldar suas falas para se adequar às investigações.

Confira sua fala na íntegra, transcrita com exclusividade por este Diário:

“Excelentíssimo senhor presidente, ministro Cristiano Zanin, da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, excelentíssimo ministro Alexandre de Moraes, eminente relator do presente caso, excelentíssima ministra Cármen Lúcia, decana desta turma e vice-decana do tribunal, excelentíssimo ministro Luiz Fux, excelentíssimo ministro Flávio Dino, cumprimento também o excelentíssimo procurador-geral da República, senhoras e senhores, eu inicio minha sustentação dizendo que o presidente Jair Bolsonaro foi o presidente mais investigado da história do País. Uma investigação que perdurou por anos. Que começa com o objetivo de investigar uma live de 4 de agosto de 2021, em que se autoriza a quebra de uma nuvem do seu ajudante de ordens, o coronel Cid, que hoje é delator, que perdura por meses essa investigação da quebra, com vários objetos diferentes.

No primeiro momento, verificava-se a live numa investigação determinada pelo TSE. No segundo momento, investigava-se o cartão corporativo, os gastos do presidente e da então primeira-dama. Depois, investigou-se até uma questão de emendas, para se chegar numa questão de vacinas. Portanto, não havia um objeto específico. E por que estou tratando disso, senhor presidente? Porque o inquérito das vacinas é a gênese de todo este caso, onde ocorreu a prisão e depois a colaboração do coronel Cid.

E o que se achou, senhor presidente, depois de tudo isso? Que foram determinadas buscas e apreensões, foi feita a quebra de nuvens, o presidente foi investigado, buscas e apreensões. O que se achou com o presidente? Absolutamente nada! E com todo o respeito, com toda a vênia, ilustre procurador-geral da República, eu contesto essa questão do documento achado do Partido Liberal. Há, inclusive, do meu colega Paulo Bueno, uma ata notarial de que ele enviou para o presidente da República aquele documento. Então, esse documento não foi achado. Com o presidente, não se achou absolutamente nada.

A partir daí, restava a versão do delator, como a minuta que estava no seu telefone tratando de uma questão de estado de sítio, e mais absolutamente nada. Então, vem a denúncia, e a denúncia é feita efetivamente com duas novidades porque com o estado de sítio e baseado na palavra exclusiva do delator seria difícil a propositura de uma ação penal, traça-se uma narrativa que vem efetivamente do começo de atos de pronunciamento do presidente da República. Pronunciamentos públicos e depois o 8 de janeiro.

Sobre esse primeiro momento, senhor presidente, me permita até fazer uma digressão sobre o mérito antes de tratar das preliminares, mas é importante dizer que, se houve esse momento, nós temos efetivamente uma acusação do procurador-geral da República de dois artigos gravíssimos do Código Penal que tratam de golpe contra as instituições democráticas e contra o governo legitimamente eleito.

Mas um minutinho só. Estamos tratando de uma acusação que se iniciou em dezembro de 2021 tratando do crime contra o governo legitimamente eleito. Qual era o governo legitimamente eleito? O dele! Então, esse crime é impossível, com todo o respeito. Falar-se em execução de crime contra o governo legitimamente eleito que era o dele! O governo legitimamente eleito veio no final do ano de 2022, com as eleições. Então, como se falar em início da execução?

E mais: como se falar em início de execução por pronunciamentos e lives quando os dois tipos penais têm elementares que implicam em violência ou grave ameaça? Não existiu violência, nem grave ameaça. Então, é impossível falar dessa execução. Como eu disse, é porque não existia nenhum elemento, então começa uma narrativa a respeito de pronunciamentos públicos para terminar no 8 de janeiro.

No 8 de janeiro, nem a Polícia Federal, que utilizou, como lembrou meu colega, mais de 90 vezes a expressão ‘possivelmente’, tinha certeza. Nem a Polícia Federal, que se utilizou dessas possibilidades, afirmou participação dele no 8 de janeiro. Não há um único elemento, nem da delação. Aí me criticam porque eu digo que a delação não vale nada… Óbvio, porque nem o delator que o acusou fez qualquer relação dele com o 8 de janeiro. Não há uma única evidência a esse respeito.

Portanto, apresentou-se uma denúncia com essas duas circunstâncias. E eu não tenho tempo, senhor presidente, tenho de falar rapidamente, mas essa denúncia, quando veio, o ilustre procurador-geral da República liberou oito PETs no dia da apresentação da denúncia. Meu cliente foi intimado um dia depois. No segundo dia, já era prazo. Oito petições, 45 mil documentos, que até agora, senhor presidente, por Deus que está no céu, eu não sei dizer no que esses documentos estão relacionados com a ação penal. Eu não consegui verificar sequer qual é a relação… São 45 mil documentos! Na verdade, é um quebra-cabeça que foi exposto à Defesa.

E aí, na sequência, senhor presidente, eu queria tratar de uma preliminar que meu colega que me antecedeu na tribuna falou da relevância do caso… Não é só a questão da relevância do caso e a questão da competência. A minha questão principal é que o Supremo Tribunal Federal, na portaria do ministro Barroso, que encaminhou para as turmas as ações originárias, faz um destaque a respeito do presidente da República. Então, o presidente da República, se crime houver contra ele, seria julgado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal.

Ora, se o Supremo Tribunal Federal entendeu agora, em um julgamento que foi concluído recentemente, após a apresentação da denúncia, que a competência se prorroga e que os detentores de foro, ainda que deixem as suas respectivas funções, saiam da prerrogativa de foro e o delito será julgado pelo Supremo, prorrogando a competência que detivera aqui no momento em que ocupava o cargo.

Qual era a competência? Era do Pleno, porque era presidente da República. E chegou a ser investigado como presidente da República. Mas, com base nisso, senhor presidente, o que nós temos nesta denúncia? A prova da defesa substancialmente é uma prova negativa. É uma prova negativa. ‘Não fez, não participou, não aderiu, não autorizou’. É uma prova negativa.

Então, seria muito importante, e eu reconheço, ministro Alexandre de Moraes, Vossa Excelência despachou comigo no Salão Branco, e é verdade que Vossa Excelência coloca que todos os elementos da denúncia citados na denúncia e no relatório da Polícia Federal estão nos autos. A conversa de Mauro Cid citada na denúncia está realmente nos autos. Nós tivemos acesso quando é escrito, por escrito, quando é por áudio, o áudio. O que não está na denúncia é a completude da mídia.

Então, senhores ministros, a pergunta é a seguinte: se eu não tenho a mídia completa, nesse momento de preliminares, não seria o caso de a Defesa poder suscitar, se fosse o caso, a cadeia de custódia da prova? Mas eu não tenho a completude, eu não tenho os telefones, eu não tenho as mídias. Há uma discussão muito grande a respeito desse plano ‘Punhal Verde e Amarelo’. Seria absolutamente imprescindível verificar as demais mensagens que foram passadas naquele dia. As outras mensagens que foram passadas pelo WhatsApp. Os outros documentos que estão na mídia.

Esta é a reclamação da Defesa. O que nós temos, e temos tudo o que a denúncia citou e o que o relatório da Polícia Federal citou, mas este é o recorte da Acusação. Com todo o respeito, a Defesa tem o direito de fazer o seu próprio recorte, e isto poderia impactar. Eu sei, ministro Flávio Dino, Vossa Excelência já falou aqui em outras sessões de julgamento que eu assisti e falou hoje, Vossas Excelências não farão um julgamento aprofundado da denúncia. É óbvio, estamos falando aqui de um standard mínimo, de uma verificação de possibilidades do recebimento da prova. Mas é evidente que, se houvesse uma mensagem comprovando que não há nenhuma relação com o ‘Punhal Verde e Amarelo’, teria muita importância para este momento.

Porque nós estamos falando do recebimento de uma denúncia gravíssima por fatos gravíssimos que o presidente da República não tem nenhuma relação com ‘Punhal Verde e Amarelo’, ‘Operação Luneta’, ‘Copa 2022’, e assim por diante. Então, a verificação das trocas de mensagem a partir do momento em que corréus dizem que falaram com o comando militar, que pediram audiência no Planalto, no Alvorada… O que disseram? Isto não consta.

É essa a importância de verificar toda a questão. Encaminhando para o final, senhor presidente, eu gostaria de tratar da delação premiada. E aqui eu queria tratar de duas questões que inclusive estão sendo confundidas. Aliás, tudo o que fala a Defesa, na imprensa sai de uma forma distorcida. O que foi questionado pela Defesa, ministro Zanin, é o fato de que o relator rompeu com o acordo quando vazou a delação. E saiu na revista Veja. Diz ele que foi um desabafo.

É estranha essa expressão ‘desabafo’ porque no ‘desabafo’ ele diz que não tinha voluntariedade. Se não é um ‘desabafo’ na versão dele atual, isto teria sido uma mentira. Mas vá lá, falou com o primo, com o irmão, com o cunhado. Senhor presidente, a lei não autoriza o delator, o contrato de delação não autoriza o delator a falar nem com o irmão, nem com o cunhado, nem com a mãe. Não autoriza. Ele, inclusive, está proibido de falar com o pai, salvo engano meu, a partir de um determinado momento, que era investigado. Se ele falou com o cunhado e se isto foi vazado, essa é uma responsabilidade dele. Diz-se-á: ‘mas esta é uma questão formal’. É verdade, é uma questão formal.

Só que mais adiante vem uma questão de que a Polícia Federal disse que ele mentiu, omitiu e se contradisse. E aí, senhores ministros, essa é a minha maior crítica à questão da delação. Por quê? O Supremo Tribunal Federal, num voto de grande detalhamento do ministro Dias Toffoli, diz o seguinte: delação é um meio de prova. O delator conta uma história, as autoridades buscarão a corroboração e, só assim, ela poderá ser utilizada.

O que aconteceu neste caso? Ele falou, segundo a Polícia Federal, ele mentiu, omitiu e se contradisse e, então, há uma audiência para que ele tivesse a oportunidade de se corrigir. Mas aí, com todo o respeito, há uma inversão. Porque, na verdade, não é o Estado que foi buscar as provas de corroboração do que ele disse. É o contrário: o Estado trouxe indícios e ele se adequa aos indícios trazidos pelo Estado. É completamente o inverso. Com todo o respeito, senhor ministro, é o inverso. O delator tem que falar e o Estado tem que trazer as provas para condenar alguém.

O que aconteceu aqui é que ele mentiu e o Estado tinha indícios, e aí ele se adequa ao Estado. E aí, com todo o respeito, inclusive, nesta versão, o colaborador corroborou a versão da Polícia Federal. É exatamente o inverso disso. E numa audiência que se traduziu numa coleta de provas. E essa é a insurgência da defesa, porque neste momento esta coleta só poderia ser feita, com todo respeito, pelo procurador, pela polícia, e não pelo Poder Judiciário.

Então, senhores ministros, para terminar, eu quero dizer o seguinte: eu entendo a gravidade de tudo o que aconteceu no 8 de janeiro. Mas, não é possível que se queira imputar a responsabilidade ao presidente da República ou colocá-lo como líder de uma organização criminosa quando ele não participou dessa questão do 8 de janeiro. Pelo contrário, ele a repudiou.

E mais do que isso: neste tempo, que não é possível discutir a questão aprofundada de provas, é importante dizer, senhor presidente, que, enquanto a Polícia Federal fala ‘possivelmente’, enquanto a denúncia traz conjecturas como a impressão de um documento no Palácio que teria o conhecimento dele, o fato concreto é que o acusado de liderar uma organização criminosa para dar golpes socorreu o ministro da Defesa nomeado pelo presidente Lula porque o comando militar não atendia. Foi o presidente que determinou a transição, foi o presidente que determinou que eles atendessem ao ministro da Defesa que assumiu em primeiro de janeiro.

Portanto, encerrando, senhor ministro, não é possível dizer que se queira afirmar que é compatível com a tentativa de golpe, com o uso do comando militar, quando o presidente da República autoriza a transmissão do poderio militar no começo de dezembro. No começo de dezembro, antes da data do dia 15, antes do dia 11. E, portanto, senhores ministros, eu ratifico as nulidades que foram colocadas na minha peça apreciada por Vossa Excelência e peço a rejeição da denúncia. Agradeço a atenção, muito obrigado, senhor presidente.”

Gostou do artigo? Faça uma doação!