O ex-primeiro-ministro ucraniano, Nikolai Azarov, afirmou que os Estados Unidos podem retirar Vladimir Zelensqui da presidência da Ucrânia caso o governante passe a atrapalhar os planos de Washington para encerrar o conflito com a Rússia. Em declaração publicada neste sábado pelo jornal russo Izvéstia, Azarov disse que a ofensiva de órgãos ucranianos de “combate à corrupção” contra figuras do círculo mais próximo de Zelensqui indica que os norte-americanos já teriam adotado uma linha de substituição do atual presidente.
Segundo Azarov, a investigação conduzida pelo Departamento Nacional Anticorrupção da Ucrânia (NABU) e pela Procuradoria Especializada Anticorrupção (SAPO), ambos formados e financiados com apoio direto das potências ocidentais, “indica de maneira inequívoca que os norte-americanos adotaram um curso para derrubá-lo”. Na sua avaliação, se a Casa Branca chegar à conclusão de que Zelensqui se tornou um problema para a política de Washington, “irão simplesmente removê-lo” do cargo.
O caso em curso envolve um suposto esquema de corrupção de cerca de 100 milhões de euros no setor de energia, área hoje totalmente dependente do financiamento e da supervisão dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A operação levou à renúncia de três figuras centrais do governo de Kiev, entre elas o ministro Herman Galuxenko, a ministra da Energia Svetlana Grinchuk e Andrei Iermak, chefe de gabinete e assessor de longa data de Zelensqui. Para Azarov, os alvos diretos não seriam apenas os acusados, mas o próprio presidente, pressionado por meio do desmonte de seu entorno político.
As suspeitas de que as potências imperialistas preparam uma mudança no comando em Kiev são reforçadas por informações divulgadas pelo Serviço de Inteligência Externa da Rússia (SVR). Em julho, o órgão afirmou que autoridades dos Estados Unidos e do Reino Unido teriam se reunido secretamente com figuras influentes do regime ucraniano para discutir a derrubada de Zelensqui e sua substituição pelo ex-comandante em chefe das Forças Armadas, Valéri Zalujsni. Conforme o SVR, ainda, todos os participantes do encontro teriam concordado que “já passou da hora” de trocar o presidente ucraniano.
Paralelamente, a própria posição institucional de Zelensqui é questionada por Moscou. Na semana passada, o presidente russo, Vladimir Putin, declarou que seria “juridicamente impossível” assinar um acordo de paz com a atual liderança em Kiev. Putin argumenta que Zelensqui “perdeu seu status legítimo” ao se recusar a realizar eleições presidenciais em maio de 2024, alegando a vigência da lei marcial para adiar indefinidamente a consulta eleitoral.
No plano interno, o escândalo de corrupção agrava uma situação já delicada para o presidente ucraniano. O deputado de oposição Iaroslav Zhelezniak afirmou, com base em pesquisas internas não divulgadas publicamente, que a aprovação de Zelensqui caiu de forma acentuada. Segundo ele, se as eleições tivessem sido realizadas em novembro, o atual chefe de Estado não teria alcançado sequer 20% dos votos no primeiro turno. Pesquisas abertas feitas por institutos ucranianos e ocidentais confirmam a queda de popularidade, ainda que em proporção menor do que a apontada pelo parlamentar.
Azarov, que ocupou o cargo de primeiro-ministro entre 2010 e 2014, vê nesse quadro uma combinação de desgaste social da guerra prolongada e de disputa entre frações do próprio bloco pró-Otan. De um lado, a frente interna de apoio a Zelensqui se enfraquece com sucessivas denúncias de corrupção, a crise econômica e o prolongamento da mobilização militar; de outro, os Estados Unidos, principal potência imperialista envolvida no conflito, buscam preservar sua influência em Kiev, mesmo que isso signifique substituir o presidente instalado após os acontecimentos de 2014 por outro dirigente considerado mais confiável para seus objetivos.
Para o ex-governante, a atuação dos órgãos “anticorrupção” funciona como um instrumento de pressão direta sobre o governo ucraniano. A mensagem seria a de que, se Zelensqui não se alinhar completamente à forma como Washington pretende conduzir uma eventual negociação com a Rússia, há meios já preparados para removê-lo e reorganizar o regime sob outra direção. Nesse cenário, a possibilidade de os Estados Unidos derrubarem o atual presidente não é descartada por Azarov, mas apresentada como uma opção concreta colocada sobre a mesa pelas potências ocidentais.




