A Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei (PL) 69/25, que busca tipificar o “estelionato sentimental” como um crime específico no Código Penal, com penas de reclusão de 3 a 8 anos e multa, podendo chegar a 10 anos em casos envolvendo idosos. Proposto pela deputada Socorro Neri (PP-AC) e outras dez parlamentares, o texto define o delito como a simulação de um relacionamento amoroso para obter vantagens econômicas ou materiais, agravando a punição se houver uso de perfis falsos em redes sociais ou se a vítima for vulnerável. Trocando em miúdos, trata-se de um projeto que visa tornar crime a prática do chamado “golpe do baú”.
A proposta está em tramitação nas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher, Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa e Constituição e Justiça, antes de seguir ao Plenário da Câmara e, se aprovada, ao Senado. Na justificativa, Neri afirma que “somente uma lei severa poderá reduzir o índice desse tipo de crime”, destacando a “manipulação emocional e psicológica” sofrida pelas vítimas como justificativa para a repressão.
O projeto altera o Código Penal, a Lei Maria da Penha e o Estatuto do Idoso, classificando o estelionato sentimental como uma forma de violência doméstica e familiar contra mulheres e prevendo ação penal pública incondicionada. Na visão das autoras, trata-se de uma resposta à escalada de casos, que, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, cresceram 326% em cinco anos, atingindo 1,8 milhão de registros de estelionato em 2022.
A deputada Socorro Neri chama o futuro delito (caso seja aprovado) de “praga contemporânea” e defende que “as vítimas, frequentemente fragilizadas emocionalmente, precisam de proteção robusta e imediata”. Contudo, por trás da retórica de proteção, o que se desenha é mais um mecanismo para ampliar o poder punitivo do Estado, com consequências devastadoras sobretudo para os mais pobres.
Uma nova ferramenta de repressão
O PL 69/25 não é apenas uma tentativa de criminalizar uma prática indesejável, porém absolutamente inofensiva do ponto de vista dos direitos mais elementares, como a vida e a integridade física, sendo por isso, um passo a mais na construção de um sistema penal que reprime desproporcionalmente as camadas vulneráveis da sociedade. A população carcerária brasileira já se aproxima de 1 milhão de pessoas, segundo dados recentes, um reflexo de leis cada vez mais duras e amplas, muitas vezes justificadas por discursos moralizantes.
O estelionato sentimental, ao ser elevado à categoria de “crime de alto potencial ofensivo”, cria uma nova porta para encher as prisões, especialmente de indivíduos pobres, que não têm recursos para se defender de acusações muitas vezes subjetivas. Afinal, como provar intenções em um relacionamento? A linha entre um conflito amoroso e um crime pode ser tênue, e quem pagará o preço são aqueles sem acesso a advogados ou influência social.
Na justificativa, o projeto exalta a necessidade de “punição rigorosa” como “pilar fundamental para garantir a justiça”, mas ignora o contexto social que alimenta esses casos. A promessa de “proteger as vítimas” com penas severas mascara o verdadeiro efeito: mais prisões, mais famílias destruídas e um sistema carcerário ainda mais abarrotado.