O artigo Brasil escreve uma nova história ao botar Bolsonaro e militares golpistas na cadeia, de Aquiles Lins, publicado no Brasil 247 nesta quarta-feira (26), é prova de que a esquerda brasileira entrou praticamente toda em uma espécie de sono. Embalada neste sono, a esquerda sonha que vive em um país no qual uma instituição das mais golpistas do Estado é justamente a que está combatendo malvadões e lutando pela “democracia”.
Não existe novidade nenhuma. Bolsonaro e alguns militares presos são apenas a velha história se repetindo em torno das eleições. Aqueles que prenderam Lula estão trabalhando para eleger um candidato da “terceira via”. E, para isso, precisaram tirar da frente o ex-presidente para então focarem no bombardeio ao atual.
Lins inicia seu artigo afirmando que “a cena desta terça-feira, 25 de novembro de 2025 é histórica. Pela primeira vez desde a proclamação da República, o Brasil assiste à responsabilização efetiva de um ex-presidente e de altos oficiais das Forças Armadas por atentarem contra a Constituição, por tentarem derrubar o Estado Democrático de Direito e por tramarem, de forma organizada e armada, um golpe de Estado. A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal inaugura um capítulo que gerações de brasileiros esperaram para ver”.
Atuar contra a Constituição e golpe de Estado dão cadeia? Então, tem muita gente graúda que deveria estar atrás das grades, inclusive os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que participaram ativamente do golpe – este, sim, de verdade! – de 2016 contra Dilma e a prisão de Lula. Estado Democrático de Direito inexiste no Brasil, o próprio julgamento de Bolsonaro e dos manifestantes do 8 de janeiro são uma prova disso. O Judiciário fez o que bem entendeu e passou por cima da Constituição e do ordenamento jurídico.
O mais terrível é ter de ler que “a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal inaugura um capítulo que gerações de brasileiros esperaram para ver”. Para essa esquerda, a classe trabalhadora perdeu o protagonismo para uma instituição do Estado burguês. Pior, uma instituição que, mais uma vez, tem sido fundamental para o golpe continuado que se iniciou em 2016.
Em seguida, Lins pergunta “como registrar a singularidade deste momento sem lembrar o passado que o cerca?”. Para logo explicar que, “desde 1889, golpes militares são parte recorrente da história brasileira — e quase sempre bem-sucedidos. Em 1930, 1937, 1964, a marca das Forças Armadas sobrepôs-se ao voto popular e à ordem civil. Mesmo após a redemocratização, o fantasma da tutela militar nunca se dissipou completamente”.
O problema dessa cronologia é que ficaram faltando 2016 e 2018. A ausência dessas datas não é por acaso. Se fossem lembradas, Lins não poderia manter o golpista Supremo Tribunal Federal como protagonista de sua fantasia.
Em 2018, o fantasma da tutela militar estava bem ali, quando o então comandante do Exército, Villas-Bôas Corrêa, ameaçou partir para o golpe de fato se o STF não corroborasse o golpe judiciário, no que foi obedecido.
É preciso esconder os fatos recentes, pois estes levam à conclusão inescapável de que o STF é contra a tal “democracia” e inimigo da classe trabalhadora.
Nada mudou
Lins diz que “o Brasil de 2025, no entanto, é outro. De todas as rupturas simbolizadas por estas prisões, a maior delas é o fim de um ciclo de impunidade. O ex-presidente Jair Bolsonaro começou a cumprir 27 anos e três meses de pena na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília”. Mas de qual ruptura ele está falando? A burguesia brasileira não tem dificuldade em chutar políticos, inclusive presidentes, que não interessam ou que atrapalham.
Quanto ao “fim do ciclo de impunidade”, conforme escreveu este Diário (leia na íntegra), o pai do novo regime jurídico brasileiro, Alexandre de Moraes, decidiu abandonar sua própria doutrina e defender algo que estava fora de moda – a Lei. Relator dos julgamentos da chamada “trama golpista”, Moraes acaba de absolver o general Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira. Esta é a primeira vez que o ministro absolve alguém nos julgamentos da tal trama. É que, como dissemos, existem generais e generais.
Moraes, o paladino da democracia e invencível caçador de fascistas, levou um puxão de orelha do comandante do Exército, general Tomás Paiva, e entendeu seus limites. De onde se pode concluir que a tutela militar vai bem, obrigado.
No penúltimo parágrafo, Aquiles Lins sustenta que “a democracia brasileira, tantas vezes ferida, finalmente reuniu maturidade institucional para impedir e punir quem tentou destruí-la”. Ninguém que seja realmente de esquerda vai acreditar que uma instituição que fere diariamente a “democracia brasileira” esteja aí para defendê-la.
No mesmo parágrafo, o jornalista escreve que “vítimas da ditadura de 1964, militantes perseguidos, cidadãos que lutaram por décadas pela responsabilização de agentes da repressão — todos eles, vivos ou não, fazem parte da moldura moral e histórica que sustentou este dia. Para muitos, ver generais sendo julgados e punidos dentro da legalidade é presenciar algo que parecia impossível”.
Começando pelo final, é preciso dizer que o julgamento foi completamente ilegal. Quanto às vítimas de 64, temos infelizmente que informar que esse “julgamento” não tem nada a ver com o golpe militar. Trata-se de uma jogada eleitoral.
Não é verdade que “hoje, o Brasil escreve uma página que rompe com séculos de submissão do poder civil ao poder militar”. Eles estão aí, apenas não foram chamados a agir. Não passa de ilusão acreditar que os militares estão fora de combate, ou que a “democracia brasileira está madura” e que, portanto, golpes militares estão descartados para o futuro.
A única maneira de coibir, ou derrotar, eventuais golpes militares só pode ser alcançada com o fortalecimento da classe trabalhadora. Em vez disso, boa parte da esquerda está fortalecendo o STF, que só fará obedecer às Forças Armadas, como a história, passada e recente, tem demonstrado.





