Em artigo publicado no último dia 21 pela Folha de S.Paulo, o historiador e deputado português Rui Tavares demonstrou estar profundamente abalado com um vídeo de inteligência artificial divulgado por Donald Trump. Nele, o presidente dos Estados Unidos, coroado como rei, voa em um caça e despeja fezes sobre seus opositores.
Segundo ele, trata-se de um gesto que “está para lá da oposição política. Já não há ali certo ou errado, argumento ou contra-argumento, mas apenas uma vontade de humilhar, aviltar e conspurcar”.
Deixando de lado o escatológico da situação, que no fundo não passa de um meme grosseiro, o que mais chama a atenção no artigo é o fato de que Tavares não se incomoda com o gesto em si contra manifestantes, mas com o fato de que Trump estaria, em sua visão, atacando um valor sagrado: a “democracia”.
“O presidente é imperador e bobo da corte ao mesmo tempo”, afirma o autor. E completa: “A grande divisão atual é, afinal, entre quem quer ter fé na democracia e quem lança fezes na democracia”.
O grande problema da humanidade não são as bombas despejadas na Faixa de Gaza, por exemplo. Não seriam os golpes de Estado patrocinados pela CIA. Menos ainda que estes grandes criminosos estão organizando manifestações com o objetivo de restabelecer um governo do Partido Democrata.
O grande problema seriam as fezes despejadas na santa “democracia”. A mesma ladainha aparece quando ele comenta o episódio do 8 de janeiro no Brasil. Segundo ele, a imagem que define aquele dia é “a do indivíduo que baixou as calças e defecou no Palácio do Planalto”. Mais uma vez, o problema não é a violência real contra o povo, mas a “conspurcação” de um símbolo.
Nenhuma palavra sobre as arbitrariedades do STF, sobre a perseguição política promovida pela alta cúpula do judiciário ou sobre a censura nas redes sociais. Tudo isso parece ter menos peso do que uma imagem simbólica de um “cagão” em Brasília.
Ao se escandalizar com um meme grosseiro, mas ao mesmo tempo se calar diante da miséria real promovida pelo regime que defende, Rui Tavares mostra qual é o verdadeiro papel da intelectualidade pequeno burguesa: defender a ditadura do grande capital.
A tal “democracia” que ele quer proteger com fé religiosa é a mesma que organiza golpes, financia guerras, patrocina bloqueios econômicos, sustenta ditaduras e impõe censura em nome da “liberdade”. É a “democracia” das ONGs financiadas pelo imperialismo, dos tribunais supremos que agem como polícia política, das eleições manipuladas e dos regimes autoritários legitimados pela grande imprensa.




