América Latina

Golpe: após decretar estado de sítio, Noboa é reeleito no Equador

Eleição no Equador ocorreu sob estado de exceção, com centenas de prisões, suspensão de direitos e denúncias contra o governo Noboa

No final deste domingo (13), o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do Equador declarou a reeleição de Daniel Noboa, presidente do Equador. Segundo o órgão, com 90% das atas apuradas, Noboa angariou 55,88% dos votos, derrotando a candidata da esquerda, Luisa González, com 44,12%.

Diana Atamaint, presidente do CNE, afirmou, durante coletiva de imprensa, que o resultado é matematicamente irreversível. “A democracia se fortalece quando se respeita a voz do povo. Hoje essa voz foi ouvida com clareza e, sobretudo, foi respeitada […] Milhões de equatorianos puderam exercer o seu direito ao voto em ambiente de paz, segurança e confiança”, disse, declarando vitória ao atual presidente.

Logo após a declaração do CNE, Daniel Noboa também se pronunciou:

“Este evento foi histórico, esta vitória também foi histórica, uma vitória de mais de dez pontos, uma vitória de mais de um milhão de votos, onde não há dúvidas de quem é o vencedor e que se baseou na perseverança, na luta, no trabalho de cada um dos membros desta equipe, desta equipe que busca este novo Equador.”

A oposição, por outro lado, denunciou o pleito e afirmou que a eleição foi uma fraude. Cercada por apoiadores que gritavam “fraude”, González disse que não reconhece o resultado e anunciou que pedirá uma recontagem. “Que se abram as urnas” disse. O ex-presidente Rafael Correa, líder mais popular do Equador, também denunciou o resultado:

“Todos sabem que esses resultados são impossíveis. Obtivemos os mesmos 44% do primeiro turno. Esses mafiosos poderiam ter se dissimulado um pouco mais”, afirmou em suas redes sociais.

Segundo turno sob estado de sítio

O segundo turno das eleições presidenciais no Equador ocorreu em meio a um estado de sítio, decretado no sábado (12) pelo governo Noboa.

O processo de votação é manual: o eleitor vota em cédulas de papel, e a apuração é feita localmente nas próprias seções eleitorais. A presidente do CNE, Diana Atamaint, afirmou que todas as etapas do processo — desde a impressão das cédulas até a totalização — são auditáveis e acompanhadas por delegados de todas as coligações. Ainda assim, partidos de oposição denunciaram falta de transparência e parcialidade do órgão.

A participação popular atingiu 83,76% dos 13,76 milhões de eleitores registrados. O número representa ligeira alta em relação ao primeiro turno, realizado em 9 de fevereiro, quando o comparecimento foi de 83,36%. Naquela ocasião, os dois candidatos finalistas empataram tecnicamente: Daniel Noboa obteve 44,17% dos votos válidos, enquanto Luisa González, representante da coligação Revolução Cidadã e Renovación Total, alcançou 44%, com uma diferença inferior a 17 mil votos.

A disputa no segundo turno foi marcada por forte aparato repressivo. No sábado (12), véspera da votação, o governo de Noboa decretou estado de exceção em sete províncias e na capital, Quito. O decreto suspendeu o direito de reunião, restringiu a livre circulação de veículos e autorizou operações das Forças Armadas e da polícia em residências sem necessidade de ordem judicial. Segundo o governo, a medida foi uma resposta ao agravamento da violência no país. Entretanto, as regiões atingidas coincidem com áreas onde o governo teve desempenho eleitoral inferior no primeiro turno.

No domingo, dia da votação, o Ministério do Interior informou que 56.588 agentes de segurança foram mobilizados para atuar em todo o território nacional. Segundo o jornal equatoriano El Comercio, a Polícia Nacional registrou 634 prisões durante o dia, além da apreensão de 56 armas de fogo e 190 armas brancas. Em um dos casos, uma mulher foi detida na província de Bolívar por tentar inserir duas cédulas riscadas em uma urna.

Em Olón, cidade litorânea onde Daniel Noboa votou acompanhado da esposa e dos filhos, a segurança foi reforçada com barreiras, agentes armados, tanques leves e revistas em mochilas e bolsas dos eleitores. Já em Manabí, a candidata Luisa González chegou ao local de votação escoltada por dezenas de seguranças e foi recebida com manifestações favoráveis por simpatizantes.

Organizações políticas de esquerda divulgaram, no mesmo dia, uma nota conjunta em que denunciam “irregularidades e violações do processo democrático” por parte do governo e do CNE. O documento é assinado por lideranças de diversos partidos, entre eles Revolução Cidadã, Pachakutik, Partido Socialista Equatoriano, Centro Democrático e Renovación Total.

“A unidade das esquerdas e do campo progressista manifesta sua preocupação diante de uma série de irregularidades por parte do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e do governo do candidato-presidente Daniel Noboa, implementadas a poucas horas da realização do segundo turno das eleições presidenciais de 2025”, afirma a nota.

Entre os pontos destacados pelas organizações estão:

  • Mudanças em 18 locais de votação, atribuídas a inundações provocadas por chuvas, apesar de o fenômeno climático estar presente há dois meses. Segundo os signatários, as mudanças prejudicaram regiões com votação desfavorável ao governo.
  • Uso de cadeias nacionais de rádio e televisão pelo Executivo, quatro vezes ao dia, durante o período de silêncio eleitoral — prática vedada pela legislação.
  • Impedimento de entrada de observadores internacionais, convidados por partidos da oposição.
  • Distribuição de bônus no valor de US$570 milhões em programas sociais durante o período eleitoral, sem previsão no orçamento.
  • Viagens e compromissos não oficiais de Noboa realizados com recursos do governo.
  • Suspensão da votação de eleitores equatorianos residentes na Venezuela, sem explicação formal por parte do CNE.

O documento prossegue afirmando que o CNE não cumpriu suas obrigações constitucionais de garantir igualdade de condições entre os candidatos nem assegurou a imparcialidade do processo.

“Durante todo o processo eleitoral, fomos testemunhas do papel vergonhoso desempenhado pelo Conselho Nacional Eleitoral. A instituição não cumpriu com as funções determinadas pela Constituição. Nada disso foi cumprido.”

Ao final, os partidos apelam para a comunidade internacional:

“Alertamos os organismos internacionais — UE, ONU, OEA e observadores da sociedade civil — sobre esses fatos lamentáveis, que continuam afetando a já frágil democracia do nosso país e comprometem este processo de participação cidadã.”

As denúncias não foram acompanhadas de resposta formal do governo até o fechamento desta edição. A presidente do CNE, Diana Atamaint, ao ser questionada sobre as acusações, afirmou que “a fraude não tem lugar em um sistema que se constrói com base na legalidade” e classificou como “infundadas” as alegações que contestam a lisura do processo.

As eleições foram acompanhadas por missões de observação da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da União Europeia. Segundo o chefe da missão da OEA, Heraldo Muñoz, “o processo transcorreu com normalidade e tranquilidade”. Muñoz acrescentou que “é necessário acalmar os rumores e tensões para que esse processo continue fluindo de forma transparente”.

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