Estados Unidos

Entenda o ‘tarifaço’ de Donald Trump

Produtos brasileiros também serão afetados pela tarifa mínima de 10%, exceto em casos onde já existem alíquotas específicas, como o aço e o alumínio, taxados em 25% desde 12 de mar

Na última quarta-feira (2), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a imposição de tarifas recíprocas sobre produtos importados, com alíquotas que variam de 10% a 50%, impactando mais de 180 países e territórios. A medida deve entrar parcialmente em vigor no próximo sábado (5), com uma tarifa mínima de 10%.

O objetivo alegado pelo governo do país imperialista é reduzir o déficit comercial norte-americano, estimado em US$1,2trilhão, e reequilibrar o comércio global, segundo, claro, a Casa Branca (sede do governo dos EUA). A aplicação das tarifas mais altas está prevista para a próxima quarta-feira (9), gerando reações de mercados financeiros e governos ao redor do mundo.

As tarifas recíprocas foram calculadas com base em uma fórmula simplificada divulgada pelo escritório do Representante Comercial dos EUA, que leva em conta o déficit comercial entre os Estados Unidos e cada parceiro. O cálculo começa subtraindo o valor das exportações norte-americanas de um país pelo valor das importações desse mesmo país. O resultado, que mostra o déficit, é dividido pelo total de importações.

Por exemplo, com a China, os EUA importaram US$438,9bilhões e exportaram US$143,5bilhões em 2024, segundo o escritório governamental de estatísticas US Census Bureau, resultando em um déficit de US$295,4bilhões. Dividindo esse déficit pelo total de importações, chega-se a 67%, que Trump considera a “taxa” cobrada pelos outros países, incluindo barreiras comerciais e manipulação cambial.

Essa porcentagem é então reduzida pela metade como um “desconto”, resultando em 34% para a China, ajustado para 54% na prática. O governo, no entanto, estabeleceu uma tarifa mínima de 10% para alguns países, como o Brasil, independentemente do déficit.

Apesar do nome “recíprocas”, as tarifas não são aplicadas de forma uniforme. Países com os quais os EUA têm não déficit comercial ou tem em quantidade menor, como Brasil, Reino Unido e Cingapura, receberam a tarifa mínima de 10%. Outros, como a União Europeia, enfrentarão uma alíquota de 20%, enquanto nações asiáticas como Japão (24%), Taiuã (32%) e Camboja (49%) terão taxas mais elevadas.

A África do Sul foi taxada em 30%, e até países pobres, como Madagascar, enfrentarão tarifas de 47% sobre exportações como a baunilha. Além disso, Trump anunciou uma tarifa específica de 25% sobre todos os carros estrangeiros, que começou a ser cobrada na última quinta-feira (3), impactando principalmente o México, um grande exportador de veículos para os EUA.

Produtos brasileiros também serão afetados pela tarifa mínima de 10%, exceto em casos onde já existem alíquotas específicas, como o aço e o alumínio, taxados em 25% desde 12 de março. Os principais produtos exportados pelo Brasil aos EUA incluem petróleo bruto, minerais betuminosos crus, produtos semimanufaturados de ferro e aço, peças de aeronaves, celulose, etanol, madeira e materiais de construção.

Segundo a economista do banco BTG Pactual Iana Ferrão, setores como commodities agrícolas e mineração não devem sofrer grandes impactos, pois não dependem tanto do mercado norte-americano. Já o diretor-executivo para as Américas da Eurasia Group Christopher Garman, destacou que o Brasil está entre os países menos impactados, com a tarifa de 10% ficando abaixo do esperado, que variava entre 10% e 25%.

O governo brasileiro, por meio de uma nota conjunta dos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e das Relações Exteriores (MRE), lamentou a decisão do governo norte-americano, afirmando que a tarifa mínima “não reflete a realidade” da relação comercial entre os dois países, que é deficitária para o Brasil, ou seja, os EUA vendem mais para o País do que compram.

A diplomacia brasileira avalia recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) e mantém o diálogo com os EUA para buscar soluções. Trump, por sua vez, justificou a medida alegando que o déficit comercial norte-americano “não é só uma questão econômica”, mas “ameaça nossa segurança e nosso modo de vida”. Ele também afirmou que as tarifas “dão grande poder para negociar”, mencionando que as usou com sucesso em sua primeira administração e que agora as está levando “a um novo nível, porque é uma situação mundial”.

As tarifas não se sobrepõem a outras já existentes, como as de 25% sobre aço e alumínio, que afetam diversos países, incluindo o Brasil. Além disso, Canadá e México, os maiores parceiros comerciais dos EUA, escaparam das tarifas recíprocas anunciadas na última quarta-feira (2), mas já enfrentam alíquotas de 25% sobre diversos produtos e agora também sobre a importação de automóveis.

Apesar disso, o primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, anunciou contramedidas limitadas e declarou que lutará com “propósito e força” para proteger trabalhadores e empresas locais, sem detalhar as ações. Ele também destacou que as medidas norte-americanas “mudarão fundamentalmente o sistema de comércio internacional”, mas reconheceu que o anúncio de Trump “preservou uma série de elementos importantes da relação comercial entre os dois países”. A Presidente do México, Claudia Sheinbaum, não se pronunciou oficialmente, mas o governo mexicano informou que prepara um “plano abrangente” para fortalecer sua economia em resposta às tarifas.

Além dos líderes vizinhos, a reação internacional foi imediata. A União Europeia, que enfrenta uma tarifa de 20%, classificou a medida como um “grande golpe para a economia mundial”. Chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen alertou que as novas tarifas causarão consequências “terríveis” para milhões de pessoas ao redor do mundo, especialmente para setores como a indústria automobilística alemã, os bens de luxo italianos e os produtores de vinho e champanhe franceses.

O presidente da França, Emmanuel Macron, convocou uma reunião de emergência com líderes empresariais franceses e pediu a suspensão de investimentos europeus nos EUA. A China, com uma tarifa de 54%, prometeu retaliar, assim como a Austrália, que considerou a medida “não um ato de um amigo”. Outros países, como Coreia do Sul, Índia e México, optaram por buscar concessões antes de retaliar.

Líderes de diversos países expressaram a intenção de negociar. O primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, que também enfrenta a tarifa de 10%, pediu calma e afirmou que “ninguém ganha em uma guerra comercial, isso não é do nosso interesse nacional”.

Ele acrescentou que “nada está fora de questão” em relação à resposta britânica, mas que a intenção é “garantir um acordo”. O ministro da Economia da Alemanha, Jorg Kukies, declarou que “ninguém com quem falei fechou a porta para negociações” com Trump.

O primeiro-ministro da Noruega, Jonas Gahr Støre, disse que seu governo negociará com os EUA “se tiver a oportunidade de fazê-lo”. O primeiro-ministro da Tailândia, Paetongtarn Shinawatra, afirmou estar disposto a enviar autoridades para conversar com os EUA, pois “ainda podemos negociar”.

O primeiro-ministro do Vietnã, Phạm Minh Chính, informou que está criando uma força-tarefa para lidar com as tarifas norte-americanas, enquanto o ministro da economia da Espanha expressou o desejo de chegar a uma “situação negociada com os EUA”. Finalmente, a presidência da África do Sul destacou que as tarifas “afirmam a urgência de negociar um novo acordo comercial bilateral e mutuamente benéfico com o governo norte-americano”.

Já os mercados financeiros reagiram negativamente. Na última quinta-feira (3), as bolsas de Londres, Paris e Berlim registraram quedas significativas: o índice britânico FTSE 100 caiu 1,4%, o francês CAC 40, 1,7%, e o Dax, da Alemanha, teve a maior perda, com 2%.

Nos EUA, o Dow Jones caiu quase 4%, o S&P 500 perdeu 5%, e o Nasdaq, 6%, marcando o pior dia desde março de 2020. Empresas norte-americanas com produção no exterior, como Nike e Apple, sofreram perdas de 14% e 9%, respectivamente. Segundo a Fitch Ratings, as importações para os EUA agora enfrentam uma tarifa média de 22,5%, contra 2,5% no ano passado.

O economista-chefe de Mercado da Spartan Capital Securities, Peter Cardillo, alertou que “as consequências da inflação serão sentidas, e isso representa um dilema para o Federal Reserve agora, mesmo que o presidente [do banco central norte-americano Jerome] Powell tenha dito que uma inflação causada pelas tarifas seria transitória”. Ele acrescentou que “os efeitos inflacionários podem piorar e podemos estar caminhando para uma recessão”.

As tarifas também geraram impactos imediatos nas cadeias de produção. A montadora Stellantis anunciou a suspensão temporária de trabalhadores nos EUA e o fechamento de fábricas no Canadá e no México, enquanto a General Motors informou que aumentará sua produção nos EUA para lidar com os custos adicionais.

Produtos como iPhones, tênis e até canabinoides podem ter preços elevados para os consumidores norte-americanos, segundo analistas. Além disso, as tarifas podem afetar alianças estratégicas dos EUA, especialmente na Ásia, onde Japão (24%), Coreia do Sul (25%) e Taiuã (32%) enfrentam alíquotas significativas, apesar de abrigarem bases militares norte-americanas e serem aliados na contenção da China.

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