No artigo Big Techs e democracia, publicado pelo Brasil 247, o jurista Marcelo Uchôa estrebucha em reação à decisão de Mark Zuckerberg de acabar com a “checagem de fatos” das plataformas de redes sociais da Meta. Segundo nosso jurista, “hoje, redes sociais são arenas abertas à disseminação de desinformação, discursos de ódio e teorias conspiratórias, com algoritmos, por sua vez, projetados para maximizar o engajamento da extrema-direita, priorizando conteúdos moralmente apelativos e narrativas extremistas”.
Uchôa é, para além de um sábio jurista, um inestimável arqueólogo. Afinal, ele acaba de descobrir que, desde o período paleolítico, os seres humanos viviam em plena harmonia. Ou, melhor dizendo, que a denominação de “período paleolítico” sequer deveria existir. O mais correto seria dividir a humanidade em duas grandes eras: a era do amor, que vai desde a primeira vez em que dois símios dividiram democraticamente uma mesma pedra para caçar um lobo; e a era do ódio, que começa com o surgimento das redes sociais.
Antes das redes sociais, afinal, não havia “discursos de ódio”. Conta-se, até, que um sujeito de bigodinho engraçado ficou conhecido porque não parava de falar: “eu te amo, comunistas!”, “eu te amo, judeus!”, “eu te amo, ciganos!”. Também era um período em que a humanidade vivia uma época de luzes. As teorias conspiratórias não se propagavam porque todos eram muito bem informados pela rádio e pela televisão. Ninguém falava, por exemplo, que comunista comia criancinha. E se alguém falava, ninguém acreditava.
É difícil dizer o que leva alguém a ser tão idiota. A única explicação é aquilo que acaba servindo de explicação para as posições grotescas de todo pequeno-burguês: o medo. Apavorado com a extrema direita, Uchôa começa a delirar e sonhar com um mundo que nunca existiu.
Mentiras, teorias conspiratórias e ódio sempre existiram. Afinal, as bombas de Hiroxima e Nagasáqui precedem a Internet. A criação de “Israel” precede a Internet. O fascismo precede a Internet. A única diferença é que, antes da Internet, as classes dominantes podiam difundir sua propaganda sozinhas, sem concorrência. As redes de televisão sempre foram dominadas por oligopólios. Aos poucos, o mesmo ocorreu com os rádios. E os jornais impressos, sem que houvesse muito capital investido, sempre apresentaram um problema grande de logística para serem distribuídos.
Quais as condições de, em 1948, o povo palestino divulgar ao mundo a limpeza étnica da qual era vítima? E hoje, como são as condições? Não há como negar que há um progresso extraordinário. Dizer que o fato de que um bando de aloprados usem a Internet para acusar o Partido dos Trabalhadores (PT) de querer implementar uma “mamadeira de piroca” justifica impedir que o povo palestino possa denunciar os crimes de “Israel” é algo que só pode passar pela cabeça de um retardado.
Mas a loucura não para por aí. Diz Uchôa:
“É a era do capitalismo de vigilância, transformando a polarização em produto rentável, sem qualquer contrapartida de transparência, via mecanismos confiáveis de moderação de conteúdo. Pior, cotidianamente justificada pelo falacioso argumento de ameaça à liberdade de expressão, bravata que advoga contra o pilar ético de inexistência de bens jurídicos absolutos, ainda mais da liberdade de expressão que, numa sociedade democrática, deve projetar-se concomitantemente a outros valores fundamentais, como dignidade humana, igualdade e segurança coletiva.”
Que Uchôa desdenhasse da Internet, poderia até ser algo compreensível. Poderíamos dar uma colher de chá e dizer que ele não entende a importância da Internet por uma questão geracional. No entanto, um jurista não entender o que é a liberdade de expressão já não é aceitável.
Em primeiro lugar, contestar a “checagem de fatos” por causa de sua ameaça à liberdade de expressão não é uma falácia. Pelo contrário: é uma consequência lógica. Moderar o conteúdo implica, necessariamente, que a plataforma determinará o que pode ser dito ou não. Ou seja, caro Uchôa, censura. Independentemente do conteúdo, é uma forma de censura.
Em segundo lugar, embora seja difícil entender o que signifique “o pilar ético de inexistência de bens jurídicos absolutos”, o fato é que, em um regime democrático burguês, ou existem direitos, ou eles não existem. Afinal, trata-se de um regime que surge historicamente em oposição aos regimes medievais, nos quais vigorava uma ditadura na qual a vontade dos governantes estava acima de qualquer lei.
Ou cada um é livre para dizer o que quer, ou a expressão não é um direito, mas uma concessão de alguma autoridade, assim como era na Idade Média. Da mesma maneira, ou qualquer pessoa pode utilizar o sistema público de saúde, ou o acesso à saúde não é um direito, mas uma concessão.
Ao dizer que não existem direitos absolutos, Uchôa defende que um juiz decida o que pode ser dito ou não – ou, pior, que uma empresa estrangeira determine o que um brasileiro possa dizer ou não. O mais engraçado de tudo é que sejam os juízes, seja a Meta ou sejam agências de “checagem de fatos”da imprensa burguesa, nenhum deles está preocupado em combater a extrema direita. Afinal, estão todos de mãos dadas com os assassinos de criança sionistas.