Brasil

E a pequena-burguesia esquerdista abraça o neoliberalismo

Jornalista demonstra o completo desnorteamento da esquerda, que agora, defende a política dos banqueiros

No artigo Quando as mercadorias não cruzam fronteiras, os soldados farão, o jornalista Florestan Fernandes Jr. apresenta uma crítica muito curiosa ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que, segundo ele, vem desenvolvendo políticas que podem “incendiar a economia do próprio país”. Desta premissa inicial, o leitor poderia supor que a crítica (publicada no portal de esquerda Brasil 247) destacaria alguma medida tomada pelo norte-americano em favor dos monopólios internacionais, banqueiros e demais parasitas inimigos das massas trabalhadoras em escala mundial. Veja, porém, o que diz o jornalista:

“Navegamos em mares bravios. Aliás, em meio às chamas ateadas pelo novo Nero, que não se constrange em incendiar e golpear fortemente a economia do próprio país. Embora todos sejamos de algum modo atingidos pelo risco de recessão global, quem irá arcar com as consequências imediatas de elevação de preços e desemprego, impostas do tal tarifaço, será o consumidor estadunidense.”

A crítica dele é ao “tarifaço”, ou seja, à política de aumento das tarifas de importação dos Estados Unidos, adotada de maneira unilateral e que, se bem sucedida, pode dinamitar o chamado “livre-comércio”, uma das políticas fundamentais do neoliberalismo. Curiosamente, a esquerda sempre se opôs ao “livre-comércio” por uma obviedade: não existe livre-comércio.

O que existe são países que já têm uma indústria desenvolvida, uma economia consolidada, e que se valem de artifícios para proteger os seus interesses.

Ocorre que, com a discrepância entre o custo dos operários dos países desenvolvidos e os operários dos países atrasados, os setores mais desenvolvidos da economia mundial (onde os monopólios se estabeleceram), transferiram suas fábricas para determinados países atrasados, explorando o trabalho imensuravelmente mais barato de países como China e México, para então exportar a produção para os países desenvolvidos. Se, por um lado, essa política produziu uma vitória temporária contra a crise inflacionária que se arrastava desde meados da década de 1970, por outro, resultou no surto de desindustrialização de países atrasados mais desenvolvidos como o Brasil (onde o fenômeno foi o mais brutal da história do capitalismo) e os países imperialistas.

Com o empobrecimento crescente dos países desenvolvidos, os setores da burguesia mais ligados à economia doméstica (que ainda não evoluíram a ponto de se constituírem em monopólios e participarem de festa) perderam. Finalmente, são setores que não conseguem fazer uma operação dessa magnitude e, por isso mesmo, dependem do mercado nacional para auferirem seus lucros e sobreviverem. Esse é o setor que Trump está atendendo: o que não está ganhando, mas perdendo com o neoliberalismo e quer por um fim a essa política, em busca de seus próprios interesses.

O princípio básico da política neoliberal é fazer um “liberou geral” para o capital, transformar os países em verdadeiros campos de caça por onde eles se movimentam livremente e fazem aquilo que desejam. Com essa política, os países desenvolvidos conseguem inundar os países atrasados com os seus produtos, inviabilizando qualquer concorrência e destruindo o que existe — ou começou a existir — de indústria nacional em países como o Brasil.

A indústria incipiente desses países acaba arrasada pela concorrência desleal. É justamente isso que Fernandes está defendendo em seu artigo — o que é curioso, porque a manutenção do neoliberalismo jamais uma posição da esquerda, mas do pior setor da direita.

É preciso lembrar que em, oposição a ela, Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, apoiou Lula em 2002 contra os neoliberais “puro-sangue” do PSDB. Essa crítica de Fernandes ao fato de Trump estar “incendiando a economia mundial” por fazer o que se esperaria de um governo progressista, que é atacar os princípios basilares da economia neoliberal, coloca o jornalista, talvez, à esquerda de FHC, Serra, Temer, Alckmin e Aécio Neves, mas certamente à direita de Bolsonaro.

Foi justamente a forte oposição popular ao neoliberalismo que levou Lula a ser eleito presidente em 2002. Foi a mesma rejeição à política dos banqueiros e dos monopólios que manteve o PT no Palácio do Planalto por tanto tempo. Mesmo em 2014, com o País já submetido a um golpe de Estado em marcha e o PT sob ataque cerrado, foi o fantasma do neoliberalismo que fez o PT derrotar Aécio Neves.

A crítica ao neoliberalismo é histórica na esquerda brasileira, tão arraigada que chega a ser inacreditável que esse jornalista esteja hoje fazendo sua defesa — e criticando Trump justamente por ter atacado uma política neoliberal. Ao fazer isso, Fernandes coloca a claro dois fenômenos que demandam atenção.

Por não conseguir mais identificar quem é o verdadeiro inimigo, a esquerda está se deslocando para a direita de maneira acentuada. Ela começa a adotar posições do imperialismo em questões centrais como a política econômica.

O imperialismo é o responsável por toda essa crise, pelo genocídio em Gaza, pela guerra no leste europeu, pela crise que o capitalismo enfrenta desde 2008 sem conseguir superar. Trata-se da força social por trás de tudo: da desindustrialização histórica que o Brasil sofre aos golpes de Estado na América Latina, o genocídio em Uganda, apenas para ficar em alguns poucos exemplos, mas que ajudem a compreender o que a esquerda pequeno-burguesa está apoiando. Eis o que também Fernandes está defendendo.

O outro fenômeno é que essa posição, comum a esse setor da esquerda que se expressa pelo jornalista, demonstram a completa colonização de uma parte do campo, que já não sabe mais pensar por conta própria. Se deixou levar pelo desespero e hoje se comporta como um fiel cão de guarda do imperialismo. Esses setores do PT já demonstram uma propensão muito grande a se transformar em uma espécie de PSDB de vermelho.

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