O presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar (União Brasil), foi preso na manhã desta quarta-feira (3) pela Polícia Federal na chamada Operação Unha e Carne. A ordem partiu do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que assumiu o caso a partir de uma interpretação de “conexão” com a ADPF 635, a “ADPF das Favelas”, herdada do ministro Edson Fachin.
A PF aponta que Bacellar teria alertado o ex-deputado estadual Thiego Raimundo dos Santos Silva, o TH Joias, sobre uma operação policial em setembro. O parlamentar, segundo a investigação, teria telefonado na véspera para TH, repassado informações e dado orientações. TH Joias foi preso durante a Operação Zargun, suspeito de intermediar negociações do Comando Vermelho envolvendo drogas, armas, fuzis e equipamentos antidrones.
A prisão ocorreu no momento em que Bacellar comparecia à Superintendência da PF, após ser chamado pelo superintendente Fábio Galvão. Segundo a corporação, a estratégia buscou evitar “prisões midiáticas”.
Além do mandado de prisão preventiva, sem prazo definido, a PF cumpriu oito mandados de busca e apreensão, incluindo o gabinete do parlamentar na Alerj, e uma intimação para aplicação de medidas cautelares alternativas contra outros envolvidos. A Assembleia afirmou que não foi notificada oficialmente e que irá analisar as medidas cabíveis quando tiver acesso às informações.
Conversas recuperadas pela PF
A representação da PF afirma que houve “conhecimento prévio e direcionamento” das ações de TH Joias por Bacellar. Entre as conversas registradas, TH se refere ao presidente da Alerj como “01”, e Bacellar responde com uma figurinha de um homem bebendo cerveja ao ser informado de que TH havia comprado um novo celular.
No dia da operação, o então deputado teria enviado ao presidente da Alerj fotos da chegada da PF ao condomínio e filmagens da residência com objetos que pretendia deixar para trás. Segundo os investigadores, Bacellar responde chamando TH de “doido” e orientando que não se preocupasse com um freezer. A PF recuperou vídeos e mensagens que haviam sido deletados.
Justificativa da prisão
A PF e a Procuradoria-Geral da República (PGR) sustentaram que a prisão se fazia necessária para “garantir a ordem pública”, alegando infiltração de interesses criminosos nas estruturas do Estado e risco de interferência nas investigações. As autoridades afirmaram que Bacellar, além do controle sobre a Alerj, exerceria influência na nomeação de cargos estratégicos no Executivo fluminense, incluindo funções sensíveis nas polícias Civil e Militar.
Argumentação de Moraes
Na decisão, Moraes afirma que:
“Uma das principais características das organizações criminosas atuantes no estado do Rio de Janeiro […] é a infiltração política que tais grupos alcançaram nos últimos anos, seja na esfera municipal, estadual e federal.”
O ministro sustenta que crimes como organização criminosa armada e obstrução de investigação justificariam a custódia. Bacellar, em seu segundo mandato e ex-secretário de governo do governador Cláudio Castro (PL), nega envolvimento com os fatos e afirma que esclareceu todas as questões apresentadas pela PF.
Prisão arbitrária
A decisão que levou à prisão de Rodrigo Bacellar apresenta uma série de violações à Constituição Federal, especialmente no que diz respeito à imunidade parlamentar prevista no art. 53, §2º, que só admite a prisão de deputados em flagrante de crime inafiançável. No processo:
1) Prisão sem flagrante e sem crime inafiançável
A decisão de Moraes, ao decretar uma prisão preventiva disfarçada, desrespeita o dispositivo constitucional, que não admite exceções. O ministro reconhece que está aplicando o art. 53, §2º, mas cria um “flagrante permanente” baseado na suposta continuidade delitiva:
“a continuidade da atividade delitiva configura flagrante, legitimando a prisão mesmo de agentes com imunidade formal”
Essa “doutrina” inventada permite a prisão de parlamentares mesmo quando o flagrante não existe. Trata-se de violação direta da Constituição.
2) Uso irregular de requisitos de prisão preventiva para justificar o flagrante
A decisão admite explicitamente que utiliza elementos típicos da prisão preventiva para “afastar a afiançabilidade”:
“a presença dos requisitos da prisão preventiva afasta a afiançabilidade do crime, permitindo a prisão em flagrante do parlamentar”
A Constituição não permite prisão preventiva de deputados estaduais ou federais. A engenharia jurídica usada pelo ministro é incompatível com o texto constitucional.
3) A ausência de contemporaneidade das condutas
O próprio documento descarta a necessidade de demonstrar contemporaneidade da conduta, ou seja, que a prisão preventiva era necessária devido a fatos atuais e concretos no momento da decisão, requisito indispensável em qualquer prisão:
“se fazem desnecessárias maiores digressões sobre o requisito de contemporaneidade das condutas”
O STF não pode simplesmente ignorar garantias constitucionais e legais.
4) Usurpação do papel da Assembleia Legislativa
A Constituição determina que, mesmo em flagrante, cabe à Casa Legislativa decidir sobre a manutenção da prisão. Contudo, quando o próprio flagrante é artificiosamente construído, a atuação da Alerj torna-se mero ato formal.
5) Fundamentação baseada em elementos políticos e não jurídicos
A decisão enfatiza que Bacellar é uma “figura central” na política fluminense, e que teria influência sobre nomeações. Isso não tem relação com flagrante nem com crime inafiançável, e tampouco é fundamento constitucional para prisão.
Ou seja, o caso, na forma como foi conduzido, é mais uma expressão da política do STF de avançar sobre prerrogativas constitucionais do Legislativo, utilizando decisões monocráticas para impor medidas de exceção. A prisão de Rodrigo Bacellar, decretada sem flagrante, sem crime inafiançável e sem respeito à imunidade parlamentar, mostra a que nível chegou a ditadura do Judiciário no País. E mais uma prova, nesse sentido, do regime de exceção que está sendo estabelecido pelo Supremo e, principalmente, pela atuação de Alexandre de Moraes.





