A crise aberta entre o setor bolsonarista do Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), mas especificamente na pessoa do ministro Alexandre de Moraes, tem produzido casamentos dos mais esquisitos… nem tanto, talvez, como o caso de Hélio Schwartsman e Ricardo Nêggo Tom.
Schwartsman escreveu na Folha de São Paulo um artigo de opinião intitulado Motim da Câmara era caso de polícia, publicado nesta quinta-feira(7), onde afirma que achou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), “bem frouxo”. Diz: “A resposta adequada da Presidência da Câmara à tomada da Mesa por parlamentares bolsonaristas teria sido mandar a polícia legislativa retirar os insurrectos do local, recorrendo à força se necessário”.
Ricardo Nêggo Tom, por sua vez, um dia antes, publicou no Brasil247 seu artigo A gangue do esparadrapo, onde escreveu “espera-se que o deputado Hugo Motta se manifeste e restabeleça a ordem na casa, nem que seja acionando a Polícia Legislativa para retirar os delinquentes que sequestraram o plenário da Câmara, e estão pedindo como resgate a prisão de Moraes e a soltura dos criminosos do 08/01”.
Nada como uma crise para revelar a verdadeira natureza de certos “democratas”.
Seguindo a argumentação em seu primeiro parágrafo, Schwartsman atesta que “se há alguém que não pode reclamar de autoridades usarem o poder de polícia para fazer cumprir a lei, é justamente um deputado bolsonarista —ou estariam legitimadas todas as ações do MST”.
O articulista regride quase 4 mil anos e propõe uma espécie de Lei de Talião, um “olho por olho, dente por dente”. E, sim, é preciso dizer que as ações do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-terra) estão legitimadas, por que não estariam? Vivemos em uma sociedade dividida em classes que lutam entre si. Os camponeses, como todo setor oprimido, se utiliza de suas armas em defesa de seus interesses, que são os mesmos da classe trabalhadora.
Para Schwartsman, “Congressistas podem valer-se de todas as medidas regimentais para obstruir trabalhos do Parlamento, mas apenas das regimentais. Não podem impedir fisicamente o presidente da Casa de sentar-se em sua cadeira”.
Ocupar a mesa é apenas um detalhe, não tem a importância que o articulista quer dar, serve apenas para justificar o que ele diz em seguida: “isso não é só jogo feio, é falta mesmo. Motta precisaria remeter os casos dos deputados amotinados ao Conselho de Ética, para decidir se a falta é para cartão vermelho.” – [grifos nossos].
O Conselho de Ética é um órgão antidemocrático que serve apenas para cassar os votos dos eleitores, expulsando parlamentares por eles escolhidos. Cassar mandatos virou moda na política brasileira, onde o STF tem abusado desse expediente. E se engana quem acredita que essas medidas ficam restritas à extrema direita, o deputado Glauber Braga (PSOL) está com seu mandato sob risco.
Quem se incomoda?
Hélio Schwartsman diz que “um leitor esquerdista pode ficar tentado a concluir que invasões de Mesa são uma tática da extrema direita que precisa ser extirpada ‘incontinenti’. [E lembra que] parlamentares do chamado campo progressista recorreram ao mesmíssimo expediente em 2017 para tentar impedir a votação da reforma trabalhista”. Mais um pouco, e Hélio Schwartsman faria lembrar ao leitor que na bandeira brasileira está escrito “Ordem e Progresso”.
Há um parágrafo muito didático que diz exatamente o seguinte: “Os paralelos incômodos não acabam aí. Bolsonaristas hoje se queixam de que o poder de pautar projetos de lei (anistia) e de iniciar processos de impeachment (o de Moraes) esteja concentrado nas mãos de autoridades individuais (os presidentes da Câmara e do Senado). Eles se esquecem de que foi esse tipo de arquitetura institucional que protegeu Bolsonaro de processos penais (sob Aras) e de mais de uma centena de pedidos de impeachment (sob Lira)”.
Como se vê, o funcionamento do Congresso é antidemocrático e autoritário. Um defensor da democracia, não parece ser o caso do senhor Schwartsman, deveria se levantar contra o autoritarismo. Em vez disso, apoia, e apenas dá um “cala a boca” no oportunismo dos bolsonaristas.
Apelo à razão
Em tom conciliador, como um pai que aparta a briga de duas crianças, Schwartsman escreve que “é da natureza humana recorrermos, quando nos interessa, a expedientes que antes condenávamos e perdermos providencialmente a memória para evitar sermos confrontados com nossas contradições. A democracia tenta lidar com essa inconsistência humana estabelecendo regras abstratas prévias que precisariam ser sempre seguidas por todos”. O que o articulista omite é que, em uma democracia, qualquer regra poderia ser contestada, revista, e mesmo anulada.
Um defensor de regras, como o articulista, deveria ter se dado conta de que a crise no Congresso se dá justamente pelo fato de que no Brasil as “regras” valem pouco ou nada. A truculência do STF é que gerou essa crise.
A ditadura judiciária encontrou pouca resistência em setores da esquerda. O Judiciário deitou e rolou sobre o PT com o Petrolão, Mensalão, Lava Jato, prisão inconstitucional de Lula etc.; mas com essa gente de direita é diferente, há reação. Bolsonaro está sofrendo uma perseguição judicial e movimenta sua base, é da política.
As condenações dos manifestantes do oito de janeiro são uma aberração, uma afronta ao Estado Democrático de Direito, mas os pretensos defensores da democracia se calam cinicamente diante de pessoas do povo sendo julgadas pelo STF, sabendo que não terão como recorrer das sentenças, nem mesmo revisar as penas. É um escárnio.
Por fim, como todo bom direitista, Hélio Schwartsman fecha seu texto dizendo que “já não foi assim, mas, hoje, é muito mais a direita do que a esquerda que sabota o arranjo democrático”. Ele não deve suportar mesmo a esquerda, pois lutar por direitos “sabota o arranjo democrático” que impõe que a classe trabalhadora fique quietinha, passando necessidades, para engordar um punhado de burgueses parasitas.





