O sociólogo Oliveiros Marques publicou no portal Brasil 247 um artigo chamado Ainda estamos aqui, nesse dia 2 de março. No dia da definição do Oscar, onde concorre o filme brasileiro Ainda estou aqui em três categorias, o autor do artigo revela as ilusões da esquerda brasileira no que diz respeito à luta contra a direita.
O autor afirma que vai torcer para a vitória do filme no Oscar “como se fosse Copa do Mundo”. Não simplesmente porque ele tem um sentimento nacionalista e quer ver uma produção brasileira vencer pela primeira vez o prêmio, mas por motivos políticos:
“Mas o fato é que a ousadia da produção de Walter Salles em contar uma passagem tão importante da história recente brasileira e, ainda por cima, realizar as gravações poucos meses depois de os ratos tentarem sair dos esgotos no 8 de janeiro, é digna, sim, de uma torcida animada e esperançosa como nós, brasileiros, fazemos a cada quatro anos.”
Deixemos, portanto, a questão artística de lado. Não vamos entrar no mérito da importância do filme em si, menos ainda do Oscar, um prêmio controlado pelas grandes corporações da indústria cinematográfica. Falemos de política.
É possível falar de ousadia de Walter Salles? Aqui, é a primeira confusão do autor. Não é tão difícil ter “ousadia” quando se tem o apoio e o financiamento de grandes capitalistas como a Rede Globo e o próprio banco Itaú, da família de Salles. Não se trata, portanto, de ousadia, mas de interesses específicos desses capitalistas na atual situação política, sobre a qual falaremos adiante.
Falar da ditadura militar, denunciar o crime cometido contra o deputado Rubens Paiva, apenas um de tantos crimes cometidos pela ditadura, todos apoiados pela própria Globo e pelos banqueiros do Itaú, pode ter alguma importância. O capitalismo é contraditório e às vezes, quando um setor do capitalismo decide atacar outro, o povo pode sair beneficiado. Mas não exageremos! Não dá para deixar de registrar o cinismo tanto da Globo quanto do Itaú, apoiadores da ditadura que agora querem aparecer como democratas que não são.
“Por isso, a minha torcida hoje é pela vitória — em uma, duas ou até nas três categorias para as quais foi indicado Ainda Estou Aqui. O filme já cumpriu uma tarefa importante ao conquistar recordes de bilheteria e proporcionar o debate sobre a ditadura militar em uma escala que não me recordo de ter acontecido antes. Mas, com a vitória, o debate, com certeza, vai se espraiar e alcançar mais corações e mentes, contribuindo para que o Brasil não permita que os crimes cometidos pelos governos militares contra a democracia e o povo brasileiro caiam no esquecimento. O filme já é um sucesso pelo que fez.”
Mas sem entrar no mérito de até que ponto um filme sobre a ditadura pode servir para despertar aqueles que o assistem sobre os horrores daquele regime, o que certamente não dá para fazer é transportar o filme para o mundo real como se ele fosse capaz de mudar a política atual, isso já é extrapolar demais o efeito de uma obra artística, seja ela qual for.
O autor se ilude, acredita que o filme pode ser capaz de frear os militares. Isso não é verdade em nenhum sentido. Primeiro porque os militares golpistas, aqueles que têm reais condições de dar um golpe, herdeiros do golpe de 64, estes são aliados da Globo e do Itaú. Tudo não passa, aqui, de pura propaganda de ocasião desse setor da burguesia contra o bolsonarismo, outro setor da burguesia. Estamos diante da luta daqueles que efetivamente deram o golpe que assassinou Rubens Paiva e aqueles que “apenas” fazem propaganda desse golpe hoje.
Em segundo lugar, porque um golpe só pode ser freado com luta política real, não com subterfúgios, não com filme e menos ainda se aliando aos que sempre deram o golpe no País.
A esquerda não deveria cair nesse conto. Méritos do filme à parte, discussão que não é o objetivo desse artigo, se aliar aos que deram o golpe de 64 – e de 2016 também – não é a maneira de derrotar os que falam em golpe hoje.