O escatológico Defesas confirmam, foi golpe, publicado pelo Brasil 247 e assinado por Oliveiros Marques, é um exemplo de como a esquerda pequeno-burguesa, de tão entusiasmada em ver o Judiciário atropelando os seus desafetos políticos, se revelou uma inimiga do devido processo legal.
O texto procura apresentar que a Defesa dos aliados de Jair Bolsonaro (PL) e a Defesa do próprio ex-presidente teriam, ainda que de maneira indesejada, confessado que houve um golpe de Estado e que o líder da direita brasileira seria o seu único mentor. Vejamos como Marques inicia o texto:
“Entre as inúmeras teses apresentadas pelos advogados de defesa dos acusados de integrar a organização criminosa que planejou e tentou executar um golpe de Estado, e que estão sendo julgados pelo Supremo Tribunal Federal, apenas uma prevaleceu no primeiro de dia de julgamento: a que confirmou a existência da tentativa de ruptura democrática, que teve seu ápice com os atos de 8 de janeiro em Brasília.”
Quem assistiu ao primeiro dia do julgamento que tornou Bolsonaro e seus aliados réu, não viu nada disso. Nenhum dos advogados afirmou que houve uma tentativa de golpe de Estado. Isso é, na verdade, uma interpretação do articulista. Uma interpretação, como veremos, além de arrogante, bastante reacionária.
“Nenhum dos defensores — salvo engano, nem mesmo o advogado daquele apontado como o líder da organização criminosa — contestou a espinha dorsal da acusação. Todos os nobres causídicos, figuras renomadas da advocacia brasileira, não contestaram o fato da existência da tentativa de golpe. O próprio Bolsonaro, que já admitiu ter gasto mais de R$ 8 milhões com sua defesa, viu seu advogado evitar qualquer contestação à narrativa central apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet.”
A acusação é grotesca. Não cabe às Defesas de Bolsonaro, do general Augusto Heleno ou de quem quer que seja “provar” que não houve um crime. Isso não é obrigação da Defesa – é uma concepção verdadeiramente absurda do Direito. O que as Defesas deveriam mostrar é que as provas apresentadas culpabilizando os seus clientes acerca de determinados tipos penais seriam inconsistentes.
Tomemos um exemplo simples. Você, leitor, foi acusado de assassinar uma mulher chamada Maria Izabel, que mora no estado do Amapá. Você não é obrigado a provar que existe uma Maria Izabel ou que ela não existe. Não é obrigado a provar que ela está viva ou que ela está morta. Não é obrigado a provar que ela foi assassinada ou não. Você deve apenas responder àquilo que foi diretamente acusado de fazer. Se a acusação é de que você, às 14h28 do dia 15 de março de 2021, estava em um determinado bar, em posse de uma pistola, e disparou três vezes contra Maria Izabel, bastaria você mostrar que estava, na verdade, em outro estado e, assim, comprovaria a inconsistência da Acusação.
Da mesma forma, não caberia às Defesas contestar se houve uma tentativa de golpe ou não. Se um determinado ministro do governo Bolsonaro de fato planejou um golpe de Estado, o que o próprio Bolsonaro teria a ver com isso? O que as Defesas procuraram demonstrar é que as acusações não se sustentam e que elas, inclusive, estão estabelecidas sobre bases muitas vezes ilegais.
Mais de um advogado, por exemplo, contestou a colaboração premiada do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Isso não tem a ver com reconhecer que houve uma tentativa de golpe, é simplesmente um protesto contra a tentativa de apresentar como prova algo que é absolutamente questionável. Da mesma forma, mais de um advogado levantou a questão de que a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR) é baseada em um relatório da Polícia Judiciária (algo subjetivo), e não na íntegra de documentos, agendas, arquivos etc.
Ao defender a ideia de que as Defesas condenaram Bolsonaro por não “provar” que não houve golpe, a esquerda está, na verdade, pisoteando o devido processo legal. Está invertendo as leis do Direito e obrigando o réu (que nem réu era ainda) a provar a sua inocência.
O caso mostra que a esquerda pequeno-burguesa, em sua sede em condenar um desafeto político, não preza por qualquer tipo de princípio democrático. A possibilidade de colocar Bolsonaro atrás das grades, ainda que por meio das mãos de seus inimigos e aplicando os seus métodos, tornou a esquerda pequeno-burguesa tão cega que fez com que ela caísse como um patinho na ladainha do STF e passasse a reproduzir exatamente a sua campanha:
“O que ficou evidente, tanto no que foi dito quanto no subtexto do dito, é que há um único responsável pelo plano de tentativa de perpetuação do clã no poder: o patriarca. Bolsonaro, o pai, foi declarado culpado, não pelo Supremo Tribunal Federal, mas pelos advogados daqueles que um dia compartilharam consigo as aventuras passageiras do poder.”
É ridículo. O STF aponta que Bolsonaro seria “o patriarca” porque o interesse do tribunal é pressionar especificamente ele. Trata-se de um jogo político, de uma tentativa de controlar este que é um dos líderes com maior popularidade do País.
Mas fato é que, se de fato tivesse havido uma tentativa de golpe, o responsável não seria um ex-capitão e político do baixo clero como Bolsonaro. Seriam os generais, a grande imprensa e, é claro, o próprio STF.