Judiciário

Débora Rodrigues, vítima de crime de opinião de um STF fascista

Pichação de estátua é pretexto para esmagar manifestante bolsonarista

No artigo A turma que sabe como enganar o povo, publicado pelo jornal O Globo, apoiador entusiasmado do golpe militar de 1964 e do golpe de 2016, o diretor de cinema Miguel de Almeida se soma à campanha ultra-reacionária em defesa das medidas antidemocráticas do Supremo Tribunal Federal (STF) contra aliados e simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O texto começa já com uma picaretagem, na medida em que procura fazer uma condenação moral dos julgados por “tentativa de golpe de Estado”, e não um debate sério sobre o regime jurídico brasileiro:

“Diante das mentiras, aleivosias, mutretas verbais de Bolsonaro & cia., uma certeza se torna concreta — a democracia não é um bem para essa turma. Até aí, nenhuma novidade.”

Se os aliados de Bolsonaro mentem e realizam “mutretas verbais” — com destaque para a expressão “verbais” —, isso não dá ao Estado o direito de suprimir os seus direitos políticos. Qualquer coisa que possa ser entendida por “democracia” seria um regime no qual o povo controla o regime político, e não o contrário. Para o autor, no entanto, a “democracia” seria um regime no qual “mentirosos” e “mutreteiros verbais” não teriam direitos.

Até onde se sabe, mentir não é um crime no Brasil. Se fosse, os editores d’O Globo deveriam estar na cadeia. Da mesma forma, seja lá o que “mutreta verbal” signifique, não existe crime nenhum que possa ser cometido por palavras. Afinal, a Constituição Federal é clara ao dizer que“é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. A Lei brasileira não fala, portanto, que é livre a manifestação do pensamento, desde que este pensamento não seja mentiroso ou “mutreteiro”.

Isso acontece por um motivo muito simples. Se a manifestação do pensamento não for livre, estabelece-se uma tutela do Estado sobre o pensamento dos cidadãos. Estabelece-se, portanto, uma ditadura, uma vez que a natureza de qualquer Estado com este poder é o de reprimir as ideias que sejam contrárias aos seus interesses.

Após criticar moralmente os bolsonaristas, o diretor tenta debochar deles, mas acaba colocando a sua própria política em contradição:

“Afinal, eles tentaram dar um golpe e deixaram o script impresso em papel timbrado. Parece coisa dos Três Patetas (no caso, a quantidade é um número maior).”

O aspecto tosco da “tentativa de golpe” só mostra que não havia uma tentativa real de golpe de Estado. Isto é, aqueles que realmente teriam capacidades políticas e mesmo mentais para organizar um golpe de Estado não se envolveram nesta aventura. Isto, é claro, se tomarmos como verdade que existe este “script” que foi apresentado pela suspeitosíssima Polícia Federal (PF).

O autor, então, segue com sua ideia de que ser mentiroso seria o sinônimo de organizar um golpe de Estado:

“Desde sempre, a mentira andou ao lado da política […] Não se procuram esconder as intenções, bastam as fake news como método de desinformação.”

A ideia de que mentir é conspirar contra o Estado é uma ideia fascista. Como explicado acima, ela é a base de um Estado autoritário, que tenha poderes para perseguir toda e qualquer dissidência.

O próprio diretor de cinema é prova disso. Segundo ele, a mentira contada pelos bolsonaristas seria “o caso da cabeleireira do Paraná, afamada pichadora, transformada em pobre coitada”. Miguel de Almeida afirma que “ela integrava uma turba movida por intenções golpistas” e que “dormiu por noites no acampamento onde se pedia intervenção militar por não concordar com a vitória de Lula da Silva”.

Aqui, fica claro como a ideologia do diretor de cinema é perigosa. Para ele, mais importante do que as ações de Débora Rodrigues é o que ela pensa sobre o governo eleito. Ele sequer analisa isso, muito menos a pena à qual corre o risco de ser condenada.

A única ação concreta pela qual Rodrigues foi julgada foi a de pichar uma estátua de batom. Uma ação que poderia, no máximo, ser tipificada como vandalismo, o que já seria um abuso. Mas a essência do julgamento, que fez o relator, Alexandre de Moraes, pedir 14 anos de prisão, está em acusá-la de tentar abolir o Estado democrático de direito. Isto é, de não concordar com a política seguida pelo STF e pelo próprio governo federal.

Débora Rodrigues está sendo condenada, com o apoio de pessoas como Miguel de Almeida, por um crime de opinião.

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