Pedro Burlamaqui

Editor e colunista do Diário Causa Operária. Militante do Partido da Causa Operária (PCO) e da Aliança da Juventude Revolucionária (AJR). Estudante de Jornalismo na Universidade de Brasília (UnB)

Coluna

De Arthur Bernardes a Alexandre de Moraes

Lei de mais de 100 anos atrás pode ser considerada mais branda que regime ditatorial imposto pelo STF nos dias de hoje

Em 29 de novembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que jornais poderão ser responsabilizados por declarações “comprovadamente injuriosas” ditas por seus entrevistados contra terceiros. Em março de 2025, o Supremo ajustou o entendimento, elaborado pelo ministro Alexandre de Moraes, e definiu que os veículos só poderão ser processados se ficar comprovado conhecimento prévio da falsidade da afirmação ou culpa grave:

“Na hipótese de publicação de entrevista por quaisquer meios em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se comprovada sua má-fé caracterizada:

1) pelo dolo demonstrado em razão do conhecimento prévio da falsidade da declaração ou

2) [por] culpa grave decorrente da evidente negligência na apuração da verdade do fato e na sua divulgação ao público sem resposta do terceiro ofendido ou ao menos em busca do contraditório pelo veículo”, afirma a decisão do STF.

A determinação foi alvo de críticas por parte de entidades representativas de jornais e jornalistas. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), por exemplo, apresentou recurso contra a tese antes de ser reajustada. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) também emitiu declarações contrárias à redação inicial da medida.

Ao Estadão, o advogado constitucionalista André Marsiglia, especialista em liberdade, de expressão, afirmou que a decisão pode levar as redações à “autocensura”:

“O que o STF fez foi praticamente tornar a atividade jornalística uma atividade de risco. Ocorre que o exercício da liberdade de imprensa é um direito e transformar o exercício do direito em um risco é absolutamente contraditório. É um entendimento totalmente equivocado do papel da imprensa”, afirma.

Esta não é a primeira vez que uma medida deste tipo é aprovada. Em 31 de outubro de 1923, o então presidente da República Arthur da Silva Bernardes publicou o decreto nº 4.743, cujo objetivo explícito era de regular a liberdade de imprensa.

A medida tipificava os crimes de calúnia e difamação quando “cometidos pela imprensa”. No caso da calúnia, por exemplo, determinava: “prisão por quatro meses a um ano e multa de 1:000$ a 10:000$, elevada a pena para seis meses a dois anos de prisão e multa de 2:500$ a 10:000$, se o crime for contra corporação que exerça autoridade pública, ou contra agente ou depositário desta.”

O texto era especialmente duro no que diz respeito à censura contra críticas direcionadas a figuras públicas e ao presidente:

“Art. 3º A ofensa feita pela imprensa ao Presidente da República no exercício de suas funções ou fora dele, e a algum soberano ou chefe de Estado estrangeiro, ou aos seus representantes diplomáticos, quando não revista caracteres da calúnia ou injuria, é punida com a pena de prisão por três a nove meses e multa de 4:000$ a 20:000$000.”

Mais impactante que isso é o fato de que, a partir da publicação do decreto, os editores passaram a ser responsáveis por tudo que era publicado nos jornais que dirigiam. Para garantir que a censura fosse aplicada, passava a responsabilidade legal para o dono da gráfica que imprimiu o jornal considerado criminoso. Caso este não fosse conhecido ou não cumprisse com os pré-requisitos legais para a imputação, a responsabilidade era transferida para os vendedores ou distribuidores da publicação.

“Art. 10. Pelos abusos de liberdade de imprensa são responsáveis sucessivamente:

1º, o autor, sendo pessoa idônea, em condições de responder pecuniariamente pelas multas e despesas judiciais, e residente no país, salvo tratando-se de reprodução feita sem o seu consentimento, caso em que responderá quem a tiver feito;

2º, o editor, si se verificarem a seu respeito as mesmas condições exigidas em relação ao autor, e este não for conhecido, ou não as reunir;

3º. o dono da oficina ou estabelecimento, onde se tiver feito a publicação; e, na sua falta ou ausência do país, quem o estiver representando, desde que se não verifique o disposto em os números anteriores;

4º, os vendedores ou distribuidores, quando não constar quais sejam ou autores ou editores, nem a oficina onde tiver sido feita a impressão”, diz a medida.

Ou seja, o decreto nº 4.743 servia para garantir que alguém fosse responsabilizado pela publicação daquilo que contrariava as autoridades. Redatores e editores precisavam se preocupar ao denunciar os governantes eleitos sob risco de serem presos. Um ataque brutal à liberdade de imprensa e a uma das obrigações fundamentais do jornalismo com a sociedade. 

É espantoso notar a similaridade entre o que foi fixado pelo Supremo Tribunal Federal e o que Bernardes decidiu em plena República Velha. Pode-se argumentar que, no caso do Supremo, a legislação é ainda mais antidemocrática: enquanto o presidente mineiro responsabilizava os jornais por aquilo que eles escreviam, Moraes quer culpar os veículos de imprensa por algo que um terceiro declarou.

A redação atual da medida, apesar de ter sido ajustada após pressão por parte da categoria jornalística, ainda é vaga o suficiente para permitir que o Judiciário faça o que bem entender com seus desafetos. Afinal, basta um juiz decidir que determinado jornal agiu com “evidente negligência na apuração da verdade do fato” — um critério arbitrário, principalmente se tratando da redação de uma lei — para processar e multar quem quer que seja.

Nesse sentido, a comparação entre os dois períodos serve para demonstrar que o País caminha para um regime cada vez mais autoritário. Com leis que, criadas pelo Judiciário, um Poder não eleito, enterram as liberdades de expressão e de imprensa e, de maneira geral, os direitos democráticos da população.

* A opinião dos colunistas não expressa, necessariamente, a deste Diário.

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