No último dia 28, o sítio de esquerda A Nova Democracia publicou um artigo intitulado Rumble comemora violação das leis brasileiras em solo nacional dedicado a repercutir o argumento para tolos, de que a queda de braço entre o ministro golpista do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e as redes sociais norte-americanas se trata de uma questão de soberania nacional. Trata-se de uma colocação que despreza completamente as forças sociais envolvidas na disputa e ainda, evidencia a desorientação de uma parte da esquerda brasileira, que demonstrando ser facilmente manipulável, escreve coisas como:
“O caso é um evidente ataque à soberania nacional por parte da empresa Rumble e do governo ultrarreacionário de Donald Trump. Cabe ao povo de um país, e não a magnatas ou bilionários de uma superpotência estrangeira, tomar medidas concretas e práticas contra os fenômenos que considera injustos em seu país.”
Em primeiro lugar, qual foi a participação do povo brasileiro em qualquer um dos atos de Moraes? O ministro ocupa sua posição após passar por um escrutínio popular? Teria agido conforme alguma lei criada e aprovada por representantes do povo que o autorizasse? Como a única resposta honesta para todos os questionamentos é não, pode-se dizer que o sítio maoísta tem uma falácia como ponto de partida para seu posicionamento, o que é importante, mas ainda não é tudo.
Já que não são os interesses dos trabalhadores que orientam as ações de Moraes, a quem o ministro ex-PSDB serve? Alçado ao STF após a vitória do golpe de 2016 por ninguém menos do que o presidente golpista Michel Temer (MDB), a ascensão do ex-carrasco de Geraldo Alckmin (na época, governador paulista também pelo PSDB) se dá em meio a um conjunto de ataques desferidos pelo imperialismo contra o País, que na época, utilizava a criminosa operação Lava Jato para reorganizar o regime político brasileiro. A Nova Democracia ignora completamente todo esse pano de fundo, porém ele é fundamental para uma avaliação correta do fenômeno que o órgão se propõe a analisar.
A trajetória não deixa dúvida de que o imperialismo foi setor social responsável por colocar Moraes em sua função atual. Era os interesses da ditadura mundial o que o ministro defendia quando se dedicava a reprimir estudantes e professores paulistas, e da mesma forma continua sendo agora, que a facção mais poderosa da burguesia norte-americana está em luta, dessa vez não contra o nacionalismo brasileiro, mas contra o trumpismo, com que disputa a supremacia no interior da direita, sem sucesso até aqui.
Ocorre que Moraes não mudou de camisa: segue sendo um instrumento fiel do imperialismo, servindo aos mesmos mestres que o alçaram ao poder. Se na década passada a política imperialista apontava suas armas contra a esquerda – com a Lava Jato destruindo qualquer vestígio de soberania econômica e pavimentando o golpe contra Dilma Rousseff –, hoje o desafio é outro: disciplinar a extrema direita, que, sob a bandeira do trumpismo, se rebela contra a política neoliberal desenfreada.
Essa extrema direita, representada por figuras como Trump e seus aliados, não é uma força anti-imperialista, mas um setor da burguesia norte-americana que tenta evitar ser engolido pela facção mais poderosa, ligada aos democratas e ao grande capital financeiro. A campanha de “defesa da democracia” alardeada por Moraes e seus apoiadores, como A Nova Democracia, é uma cortina de fumaça para encobrir essa disputa interna da direita, onde nenhum dos lados tem interesse numa crítica de fundo ao capitalismo.
O imperialismo precisa devorar os negócios menores para manter a lucratividade de suas megacorporações. Estamos diante de uma crise estrutural do capitalismo: a superprodução, que assombra o sistema desde seus primórdios, exige a destruição de unidades produtivas inteiras para evitar o colapso total.
Se os monopólios não eliminarem a concorrência – mesmo que essa concorrência seja formada por setores menores da própria burguesia –, a acumulação de mercadorias invendáveis levará a uma crise como a de 1929, mas em escala muito maior, turbinada pela globalização e pela financeirização da economia. A lógica é simples: o capital precisa concentrar-se nas mãos de poucos, e isso implica sacrificar os elos mais frágeis da cadeia. No caso atual, a extrema direita trumpista representa esses elos, enquanto a ala neoliberal, que Moraes serve, é o braço executor dos monopólios imperialistas.
Essa disputa nada tem a ver com “democracia”, mas da necessidade de uma destruição organizada da economia mundial para que o capitalismo sobreviva à sua própria contradição. De um lado, temos a burguesia tradicional, ligada aos bancos e às multinacionais, que comanda a ofensiva neoliberal e usa figuras como Moraes para impor sua política; de outro, a extrema direita, que, representando setores mais frágeis da burguesia doméstica norte-americana, tenta resistir à sua aniquilação.
O conflito é entre quem destrói e quem está sendo destruído, e a “democracia” é só o verniz que encobre essa guerra fratricida. Sem entender isso, A Nova Democracia toma partido do carrasco imperialista contra os condenados, achando que está defendendo o Brasil.
Ao apoiar Moraes, o sítio maoísta não protege a soberania de um país atrasado contra uma potência opressora, como os EUA. Pelo contrário, alinha-se ao serviçal do imperialismo contra os representantes de um setor mais fraco da burguesia norte-americana, que, via trumpismo, tenta frear a ofensiva neoliberal que os engole.
Esse é o fundo social do embate: uma luta de classes dentro da própria direita imperialista, onde Moraes é o capacho da facção vencedora. A Nova Democracia não percebe a armadilha em que caiu: ao defender o ministro, endossa a política que, entre outras coisas, censurou o próprio órgão maoísta. Quem derrubou os vídeos deles no YouTube não foi o Rumble ou as redes ligadas a Trump, mas o Google – este sim, um titã pró-imperialista, alinhado aos democratas e responsável por uma campanha criminosa de censura contra a Palestina.
A desorientação de A Nova Democracia fica ainda mais evidente no caso envolvendo Moraes e o Rumble. Longe de ser uma questão de “potência imperialista oprimindo o Brasil”, o que temos é Moraes tentando, do Brasil, impor censura a uma empresa norte-americana, o que afetaria diretamente o perfil de um residente nos EUA – no caso, Allan dos Santos.
Se tivesse poder real, o ministro estaria oprimindo os EUA, e não o contrário! A narrativa de soberania nacional desmorona aqui: Moraes age como um capataz do imperialismo global, e não como defensor do Brasil. Ao comprar acriticamente os argumentos de “defesa da democracia” vendidos pela burguesia neoliberal, A Nova Democracia não só se curva ao imperialismo como enfraquece qualquer possibilidade de luta real pela soberania. Enganados pela fachada, os maoístas terminam ao lado dos algozes que dizem combater, provando que memória curta e análise rasa são um caminho certo para a capitulação.