O artigo A reação à denúncia tem limites éticos, assinado pelo jurista Antônio Carlos “Kakay” e publicada no portal Poder 360 na última sexta-feira (28), ilustra a passagem da esquerda para o campo do lavajatismo. Se, no primeiro momento, o campo denunciava os métodos abusivos empregados no julgamento do Mensalão e na Operação Lava-jato, perseguindo principalmente petistas, desta vez, com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no banco dos réus, tenta-se justificar as arbitrariedades que não apenas se repetem, mas se aprofundam.
No início do texto nos deparamos com uma citação do Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa: “tenho a náusea física da humanidade vulgar, que é, aliás, a única que há. E, capricho, às vezes, em aprofundar essa náusea, como se pode provocar um vômito para aliviar a vontade de vomitar.” Talvez, a citação não o ajude, pois a náusea é uma reação física, irracional, tudo o que não se deseja quando se trata de justiça.
É público que STF vem fazendo julgamentos políticos, que pouco ou nada têm a ver com a aplicação das leis e dos direitos constitucionais. Para encobrir as arbitrariedades judiciais, é preciso criar um clima de grandiosidade ou de urgência. Vejamos o que diz Kakay: “em qualquer país democrático, uma denúncia penal que impute a um ex-presidente da República os delitos de tentativa de golpe de Estado, de subversão à ordem constitucional e de ser o líder de uma organização criminosa armada vai causar grande reação”.
Para entendermos do que se trata, no julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do caso, votou pelo aumento da pena de Lula. Ele argumentou que, devido à posição de Lula como ex-presidente, a responsabilidade pelos crimes cometidos era ainda maior. Literalmente, “a culpabilidade é extremamente elevada, pois se trata de um ex-presidente da República, que recebeu vantagens indevidas em razão do cargo que ocupou”.
A recorrente defesa do Estado burguês
Como a esquerda encampou a política imperialista de que vivemos em um período de luta da democracia contra o fascismo, fascistas são todos os que se opõem ao Estado, supostamente democrático e garantidor dos direitos.
Não é por menos que vemos setores da esquerda atacando “ditaduras”, todas elas, não por coincidência, em algum tipo de atrito com o imperialismo. No Brasil está se repetindo a falaciosa “defesa das instituições”. Mas o que são essas instituições além de um mecanismo de opressão do Estado contra a classe trabalhadora? As polícias, os tribunais, que deixam pessoas mofando por anos nas cadeias por anos sem que tenham sido julgadas, são instituições. Devemos fortalecê-los?
Kakay acredita que sim, já que “certamente, alguns grupos militares, políticos, de imprensa e do empresariado vão se esforçar para desacreditar as instituições, além de negar o movimento golpista”. – grifo nosso. Ora, desacreditar as instituições é um direito democrático. Por que, por exemplo, não se poderia desacreditar juízes e promotores que, passando por cima da Constituição, instauram um regime de censura no País?
Não há ampla defesa
O autor do texto diz que “a defesa tem que ser ampla e plena”, trata de chamar “teses teratológicas”, ou seja, absurdas, monstruosas; se “apontar a incompetência do STF (Supremo Tribunal Federal) para julgar o caso; levantar a tese de impedimento de alguns ministros; ousar falar em suspeição, sem nenhuma previsão legal ou regimental, do relator”, etc. Mas ele “aceita”, diz que “tudo isso, desde que dentro das balizas que também são impostas à defesa, faz parte do processo penal democrático. Não tem fundamento jurídico, mas é um direito”. – grifo nosso.
A suspeição de Alexandre de Moraes não apenas deve ser levantada, como se trata de um completo absurdo a sua presença nesse “julgamento”. Alguém pode conceber que um juiz julgue um caso em que aparece como vítima? Ou que produza a denuncia e ainda mande investigar? Não apenas isso, Bolsonaro e Moraes já protagonizaram diversos desentendimentos públicos.
Na tentativa de salvar as aparências, Kakay alega que “temos que estar atentos a certos limites éticos. Qualquer comparação entre o trabalho do ministro Alexandre de Moraes e do STF com os desmandos da República de Curitiba, Moro e seus procuradores adestrados, é infamante e ultrapassa os limites aceitáveis”. – grifo nosso. Nunca falha, quando alguém fala em nome da ética, é porque sua vítima conhecerá o inferno.
Para quem dizia que a defesa deveria ser ampla, Kakay se trai e diz que “cumpre a cada um de nós acompanhar o julgamento, que deverá ser rápido”. E ainda diz que “praticamente todas as preliminares já foram enfrentadas pelo STF e estão decididas” – grifos nossos.
Kakay diz também que é infundada a “suspeição dos ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin”, ambos da Primeira Turma do STF. No entanto, os outros componentes são Cármen Lúcia, Luiz Fux, e o próprio Alexandre de Moraes. Estes três estão completamente alinhados e forma maioria. Lembrando que estes mesmos três votaram contra o habeas corpus preventivo de Lula em 2018, o que o levou à cadeia ainda na segunda instância.
Dando corda para o carrasco
O regime político está se fechando e não apenas no Brasil. O que nos chama a atenção é como determinados setores da esquerda não conseguem enxergar o que está acontecendo. Principalmente no caso de Jair Bolsonaro.
Estamos diante do agravamento de uma política que se iniciou no Mensalão, na Operação Lava-Jato, e agora se volta contra determinados elementos da extrema direita.
A esquerda foi a principal vítima desse sistema judiciário que promove julgamentos farsa. Pessoas, sem foro especial, como no caso do 8 de Janeiro, são julgadas diretamente pelo Supremo Tribunal Federal e não podem, portanto, recorrer, o que é um total desrespeito ao amplo direito de defesa.
Para piorar, estão deixando de lado um aspecto fundamental dessa política: se cassam os direitos de determinados grupos e pessoas, isso significa que serão cassados os direitos de toda a população. Tudo isso com o aval da esquerda que, nem é preciso ter bola de cristal para saber, será em breve vítima do monstro que ajudou a criar.