Supremo Tribunal Federal

Condenados à prisão por criticar as instituições do Estado

Corte cria jurisprudência inédita que equipara uma suposta campanha de desinformação orquestrada contra as instituições a um ato executório dos crimes contra o Estado de Direito

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou mais um grupo de pessoas ligadas à chamada “trama golpista” que teria sido encabeçada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com o objetivo de destituir o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Na terça-feira (21), a Primeira Turma da Corte condenou por 4 votos a 1 os sete réus do chamado “núcleo de desinformação” (núcleo 4). As penas aplicadas, que variam de 7 anos e 6 meses a 17 anos de prisão, somam-se às já proferidas no julgamento do “núcleo crucial”, incluindo a condenação de Jair Bolsonaro, e reforçam a tese grotesca e golpista do STF sobre a existência e atuação de uma “organização criminosa armada atentatória ao estado democrático de direito”.

A condenação deste núcleo, majoritariamente militar, por crimes como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa armada, não apenas endossa a peça de ficção elaborada pela Procuradoria Geral da República (PGR) como, de forma inovadora, estabelece um precedente jurídico para tornar a desinformação crime no Brasil, mesmo sem uma lei específica que a tipifique.

Como era de se esperar, o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, foi a espinha dorsal do julgamento, sendo integralmente seguido pelos ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Flávio Dino. Moraes reiterou a tese de que a desinformação era um “ato executório sequencial” e uma “ferramenta estratégica” do tal “plano golpista”, essencial para corroer a credibilidade das “instituições democráticas” e pavimentar o caminho para uma “intervenção militar”. Retirada toda a histeria em torno da suposta “tentativa de golpe”, o que sobra é: para o ministro, criticar as instituições do Estado é crime.

Moraes classificou o grupo como uma “milícia digital extremista” e seus integrantes como “milicianos covardes” por “atacarem”, inclusive, familiares de autoridades. Como? Com bombas? Com armas? Não, com a disseminação sistemática de notícias falsas sobre as urnas eletrônicas, a Justiça Eleitoral e o Poder Judiciário, o que Moraes classificou como um “instrumento de agressão, de propagação de discurso de ódio, de ruptura ao Estado Democrático de Direito”.

“É uma falácia, é uma mentira absurda, criminosa e antidemocrática dizer que essa utilização de ataque à Justiça Eleitoral, de ataque ao Poder Judiciário, de ataque à democracia, de discurso de ódio, que isso é liberdade de expressão. Isso é crime. Isso é crime tipificado no Código Penal.”

Quem está disseminando desinformação, neste caso, é o próprio Moraes. O Código Penal não tipifica — nem poderia tipificar — o tal “discurso de ódio”. Afinal, o Código Penal brasileiro foi instituído na década de 1940, muito antes deste termo ser importado dos Estados Unidos pela imprensa capitalista brasileira. Tampouco consta que é crime criticar, ofender ou suspeitar da conduta das autoridades públicas e das instituições que elas representam.

O ministro Flávio Dino endossou a visão de Moraes, destacando a desinformação como um “fenômeno contemporâneo que transcende as fronteiras nacionais” e que está “no centro do processo recente de erosão democrática”. O ministro, enquanto cidadão brasileiro, tem todo o direito de analisar os fenômenos que bem entender. No entanto, para isso, deveria tirar sua toga e assumir um cargo em uma universidade. Seu papel enquanto juiz é aplicar a Lei brasileira, e não estudar os “fenômenos contemporâneos”.

A ministra Cármen Lúcia também seguiu Moraes, afirmando que o núcleo “promoveu um conjunto de práticas delituosas que levou à intimidação sutil e eficiente, produzida pelas mídias sociais”. Diante de tal argumentação, fica a pergunta: dizer “fora” para algum governante é considerada uma “intimidação”? Ser for, qualquer movimento popular estará proscrito.

Foram condenados os seguintes réus:

  • Ângelo Martins Denicolli, major da reserva do Exército (ex-integrante da Secretaria-Geral da Presidência): 17 anos
  • Reginaldo Vieira de Abreu, coronel do Exército (ex-Chefe de Gabinete da Secretaria-Geral da Presidência): 15 anos e 6 meses
  • Marcelo Araújo Bormevet, agente da Polícia Federal (ex-servidor da Abin): 14 anos e 6 meses
  • Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército (ex-servidor da Abin): 14 anos
  • Ailton Gonçalves Moraes Barros, ex-major expulso do Exército: 13 anos e 6 meses
  • Guilherme Marques Almeida, tenente-coronel do Exército: 13 anos e 6 meses
  • Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal (IVL): 7 anos e 6 meses

A maioria dos réus (militares e policial federal) foi condenada por todos os cinco crimes imputados na denúncia, com regime inicial fechado. As condutas incluem a participação na chamada “Abin Paralela” (uso da estrutura de inteligência para monitorar adversários e produzir “fake news”), a coação a comandantes militares (caso de Ailton Barros) e a tentativa de manipulação do relatório do Ministério da Defesa sobre as urnas (caso de Reginaldo Abreu).

Com a condenação, o STF está criando uma jurisprudência inédita que equipara uma suposta campanha de desinformação orquestrada contra as instituições a um ato executório dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, como a tentativa de abolição violenta e o golpe de Estado.

Em 2021, o então presidente Jair Bolsonaro vetou um artigo da lei que definia os crimes contra o Estado Democrático de Direito. Este artigo vetado tornava crime a “comunicação enganosa em massa” sobre o processo eleitoral. À época, Bolsonaro argumentou, corretamente, que o artigo aumentaria a insegurança jurídica e representaria um risco à liberdade de expressão. No entanto, ao condenar o “núcleo 4” por crimes graves como golpe de Estado, o STF está contornando a Lei e preenchendo uma lacuna legal por via judicial.

A única voz dissidente na Primeira Turma foi a do ministro Luiz Fux, que votou pela absolvição total dos sete acusados, apresentando uma postura semelhante à que teve no julgamento do “núcleo crucial”. Fux alegou que a PGR “não comprovou a relação de causalidade” entre as condutas dos réus e os crimes imputados. Para o ministro, a denúncia falhou em individualizar como cada um contribuiu para a suposta “trama golpista”.

De forma ainda mais crítica, Fux fez um preâmbulo de “realinhamento” em seu voto, justificando sua mudança de posição em relação aos julgamentos anteriores sobre as manifestações de 8 de janeiro, nos quais ele havia acompanhado o relator. Cinicamente, o ministro creditou à “comoção nacional” os seus erros passados, que levaram centenas de pessoas à cadeia:

“Por vezes, em momento de comoção nacional, a lente da Justiça se embacia, pelo peso simbólico dos acontecimentos e pela urgência em oferecer uma resposta rápida que contenha a instabilidade político-social. Nessas horas, a precipitação se traveste de prudência e o rigor se confunde com firmeza.”

Fux, em um movimento subsequente, solicitou sua transferência da Primeira para a Segunda Turma do STF, na vaga aberta pela aposentadoria de Luís Roberto Barroso, o que foi rapidamente autorizado pelo ministro Edson Fachin, presidente da Corte.

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